Em 28/11 foi publicada a Portaria Conjunta MDIC/SUFRAMA nº 1, de 22/11/2024, que regulamenta a aplicação de recursos por empresas beneficiárias da isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) prevista no art. 9º do Decreto-Lei nº 288/67 em fundos de investimento em participação (FIP) destinados à capitalização de empresas de base tecnológica com sede ou atividade principal na Amazônia Ocidental ou no Estado do Amapá.
A nova Portaria, que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2025, revoga e substitui a Portaria MDIC nº 1.753, de 16/10/2018, e traz mudanças substanciais, das quais este texto tratará.
Conceito de “Empresa de Base Tecnológica”
A primeira alteração relevante é a definição de “empresa de base tecnológica”.
Na Portaria atual é considerada uma “empresa de base tecnológica” a “sociedade empresária que apresente pelo menos duas das seguintes características: (a) desenvolva bens, serviços ou processos tecnologicamente novos ou significativas melhorias tecnológicas nesses; (b) comercialize direitos de propriedade intelectual (patentes de invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, programas de computador, nova aplicação ou aparelho) ou direitos de autor de sua propriedade, ou que estão em fase de obtenção; ou bens protegidos por esses direitos; (c) as despesas de pesquisa e desenvolvimento não sejam inferiores a cinco por cento da receita bruta, sendo excluídas dessas despesas os valores direcionados à formação de ativo imobilizado; ou (d) execute por meio de sócios ou empregados diretos, profissionais técnicos de nível superior, atividades de desenvolvimento de software, engenharia, pesquisa e desenvolvimento tecnológico e de mercado”.
A partir de 2025 serão consideradas “empresas de base tecnológicas” aptas a receber os recursos objeto da nova Portaria as “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, que utilize conhecimentos científicos ou tecnologias como insumos básicos e cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios, processos produtivos, produtos ou serviços ofertados”.
Nota-se uma aparente simplificação do conceito, mas o enquadramento ficou mais restrito. Empresas atualmente enquadradas no conceito da Portaria 1753 talvez não possam mais receber os recursos incentivados a partir do próximo ano.
Além disso, a exigência de que a empresa seja nascente ou em operação recente – até 10 anos de inscrição no CNPJ – é uma inovação.
Atividade Principal
A Portaria 1753 sempre exigiu que a empresa investida tivesse sede ou atividade principal na Amazônia Ocidental ou no Estado do Amapá, mas não havia uma definição objetiva do que caracterizaria tal atividade principal.
Seria a quantidade de colaboradores na região – conceito afetado substancialmente pela pandemia de COVID, que tornou o trabalho remoto uma regra mais do que uma exceção – ou a proporção de faturamento na região?
Além de exigir um “estabelecimento formalizado com endereço” na região, a nova Portaria define “atividade principal” como “atividade de pesquisa, desenvolvimento, produção ou inovação com potencial para geração de receita para empresa de base tecnológica investida”.
A Portaria ainda exige que a empresa tenha atividade principal compatível com um dos conceitos de atividade de que trata o art. 21 do Decreto nº 10.521/2020 e que execute tal atividade nos limites da Amazônia Ocidental ou no Estado do Amapá. De acordo com o mencionado Decreto, são atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação:
I – pesquisa básica – trabalho experimental ou teórico executado primariamente para a aquisição de novo conhecimento dos fundamentos subjacentes aos fenômenos e fatos observáveis, sem qualquer aplicação particular ou uso em vista;
II – pesquisa aplicada – pesquisa original realizada com o objetivo de adquirir conhecimento, a qual é primariamente dirigida a um objetivo ou a um alvo prático específico;
III – desenvolvimento experimental – trabalho sistemático, baseado em conhecimento pré-existente e destinado a produzir novos produtos e processos ou aperfeiçoar os já existentes;
IV – inovação tecnológica – implementação de produtos, bens e serviços ou de processo tecnológico novo ou significativamente aprimorado;
V – formação ou capacitação profissional – aquelas de níveis médio, superior ou de pós-graduação, em áreas consideradas prioritárias pelo Capda, ou aquelas vinculadas às atividades de que tratam os incisos I ao IV; e
VI – serviços de consultoria científica e tecnológica – estudos, ensaios e testes, atividades de normalização, gestão de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, de gestão tecnológica, de fomento à invenção e à inovação e de gestão e controle da propriedade intelectual gerada nas atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, desde que associadas a quaisquer das atividades previstas nos incisos de I ao IV.
Fica claro, então, que o estabelecimento da empresa na região deve desenvolver tais atividades, não bastando, por exemplo, a manutenção de uma equipe comercial na região enquanto a pesquisa e desenvolvimento são realizados em outras localidades.
A nosso ver, apesar de trazer clareza ao conceito, a Portaria desconsidera a dinâmica do trabalho remoto e a potencial escassez de profissionais de pesquisa e desenvolvimento na região.
A nova Portaria exige, ainda, que a empresa utilize os recursos recebidos do FIP “exclusivamente para o desenvolvimento do negócio, incluindo despesas de pesquisa, desenvolvimento e inovação, despesas de marketing e vendas, despesas com pessoal, despesas com jurídico e capital de giro, desde que indispensáveis à atividade principal”. A SUFRAMA publicará um manual próprio com a lista de atividades obrigatórias das categorias de despesas.
A norma permite que até 20% de tais despesas ocorram fora da Amazônia Ocidental e Estado do Amapá, desde que com o objetivo de obter conhecimentos, métodos ou tecnologias não disponíveis nessa região ou expandir o negócio para outras localidades.
Limite de Receita Bruta: retrocesso e perda de oportunidade
O limite de receita bruta do ano anterior ao aporte do FIP da empresa de base tecnológica foi reduzido de R$ 50 milhões para R$ 16 milhões ou proporcional ao número de meses em atividade, mas não há mais limite para os 3 anos anteriores.
Em nossa opinião, a redução é um retrocesso que limitará consideravelmente a quantidade de empresas aptas a receber os recursos.
O próprio valor adotado soa anacrônico, já que corresponde ao limite de receita das empresas alvo de FIP-Capital Semente na regulação anterior (Instrução CVM 578, de 2016), revogada em 2022 pela Resolução CVM 175, que elevou a receita bruta limite de “capital semente” para R$ 20 milhões.
Assim, se a intenção do regulador era limitar os investimentos sob a égide da Portaria a operações de “capital semente” – o que, a nosso ver, já não faria sentido –, deveria ter adotado o valor atual de R$ 20 milhões.
Foi mantida a proibição de investimento em empresas que sejam controladas, direta ou indiretamente, por sociedade ou grupo de sociedades, de fato ou de direito, que apresente ativo total superior a R$ 80 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 100 milhões no exercício social imediatamente anterior ao primeiro aporte do FIP. A exceção específica constante da regra vigente foi mantida (vide §3º do Art. 6º da nova Portaria).
Aqui o regulador também perdeu a oportunidade de atualizar os valores nos moldes na Resolução 175, que os aumentou respectivamente para R$ 100 milhões e R$ 150 milhões para as operações de “capital semente”.
Requisitos a serem observados pelo Fundo
Quanto aos requisitos a serem cumpridos pelo FIP que receberá os recursos das empresas beneficiárias para aplicação nas empresas de base tecnológica, há alterações relevantes.
Além do registro na CVM, a caracterização como entidade de investimento e a menção expressa em regulamento da destinação dos recursos nos termos da Lei 8.387, já exigidos atualmente, o fundo:
• não poderá ter suas cotas negociadas em mercado secundário;
• deverá ser dedicado exclusivamente à capitalização de empresas de base tecnológica, ou com classe dedicada, conforme expresso em seu regulamento;
• deverá assegurar que as empresas de base tecnológica investidas cumpram as obrigações impostas pela Portaria; e
• deverá contar de lista divulgada online pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), com a relação de FIP aptos à captação dos recursos.
A inclusão em referida lista deve ser solicitada diretamente à SUFRAMA, com comprovação de atendimento aos demais requisitos.
Foram mantidas a proibição de o FIP deter participação majoritária no capital social da empresa de base tecnológica investida, bem como a possibilidade excepcional e transitória de participação majoritária em caso aporte em empresas já investidas necessário para viabilizar a continuidade de sua operação.
Há agora uma vedação expressa ao aporte de recursos em FIP que tenha em sua carteira empresas de base tecnológica subordinadas formalmente ou de fato à empresa beneficiária cotista do fundo.
O período de investimento do FIP foi reduzido de 6 para 5 anos, após o qual ele não poderá receber mais recursos incentivados. Para os períodos de investimento em curso nesta data admite-se o máximo de 6 anos.
Assim como atualmente, os investimentos devem ser realizados mediante aquisição primária de ações, bônus de subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de empresas de base tecnológica investidas, bem como títulos e valores mobiliários representativos dessas participações, sendo permitida a transferência ou negociação em mercados secundários.
Uma das inovações mais bem-vindas da Resolução 175 foi a possibilidade de o regulamento do FIP estabelecer um prazo para aplicação dos recursos recebidos de seus cotistas, o que facilitava também os investimentos realizados no âmbito da Portaria 1753.
A nova Portaria limita essa vantagem, estabelecendo um prazo de até 6 meses para aplicação dos recursos do FIP após cada integralização de cotas. Ainda assim, já é um prazo maior do que o prazo anteriormente previsto pela Instrução 578.
Tendo a norma um objetivo de desenvolvimento regional, permanece vedado o investimento em ativos no exterior, observada a definição da Resolução 175. Como essa definição é um pouco mais ampla do que a anterior, há um ganho aqui.
Permanece também a proibição de a empresa beneficiária deter isoladamente, direta ou indiretamente, ativos que lhe garantam participação majoritária nas empresas de base tecnológica investidas do FIP.
Ficam vedados investimentos em situações de conflito de interesses, independentemente de aprovação em assembleia de cotistas do FIP.
Impactos para o Gestor e Auditor
As alterações alcançam a própria estrutura do gestor, que deverá manter, domiciliado na região da Amazônia Ocidental ou no Estado do Amapá, um representante regional responsável pelo acompanhamento das empresas de base tecnológica.
Em caso de descumprimento da Portaria o FIP poderá ficar impedido de realizar aplicações em empresas de base tecnológica, hipótese em que os recursos recebidos das empresas beneficiárias deverão ser integralmente restituídos pelo FIP a tais empresas mediante aplicação em um ou mais programas prioritários definidos pelo Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia – Capda, escolhidos a critério das respectivas empresas beneficiárias.
A norma estabelece novas obrigações de reporte, bem como a elaboração pelo gestor do FIP de um relatório sobre as empresas investidas contendo:
1. demonstração de que as empresas de base tecnológica investidas atendem às condições da Portaria;
2. sumário executivo da proposta de investimento e seu detalhamento, contendo análise do enquadramento da empresa de base tecnológica investida e detalhamento do período de execução do investimento planejado;
3. histórico da empresa de base tecnológica investida, de suas pessoas-chaves e de seu plano para inovação tecnológica;
4. análise do mercado de atuação da empresa de base tecnológica investida;
5. principais aspectos societários e jurídicos da empresa de base tecnológica investida; e
6. evolução de mercado das empresas de base tecnológica desinvestidas no período.
O relatório de auditoria independente da empresa investida deverá conter seção com avaliação do cumprimento das obrigações previstas na nova Portaria, o que poderá levar a questionamentos e discussões com os auditores.
Outras Alterações
A regra atual proíbe a empresa de base tecnológica de distribuir mais de 25% dos lucros “durante o período em que receberem aporte de recursos pelos Fundos de Investimentos em Participações”. Essa redação dava margem a interpretações diversas e podia comprometer a atratividade da empresa para novos investidores.
A partir de janeiro de 2025 a vedação fica mais clara e será aplicável durante o chamado “período de execução do investimento”, definido como “o período em que a empresa de base tecnológica executa e despende o recurso recebido a título de aplicação de Fundo de Investimento em Participações”. Expirado esse período, que não pode passar de 5 anos, não haverá mais a limitação.
Outra novidade é a vedação à contratação, pela empresa de base tecnológica, de pessoa física que participe do conselho ou da direção da empresa beneficiária cotista do FIP, ou que possua vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau.
Assim como atualmente, o cumprimento da obrigação de aporte da empresa beneficiária ocorre com a integralização das cotas do FIP – não bastando a mera subscrição -, e essa integralização deverá ocorrer até 31 de dezembro do respectivo ano-calendário. Isso deve aumentar o fluxo de investimentos de tais fundos nos meses finais de cada ano.
Responsabilidades
A Portaria traz clareza sobre a responsabilidade dos agentes, determinando que a empresa beneficiária estará sujeita à glosa dos valores aplicados em desconformidade com a norma quando ela descumprir as exigências estabelecidas na Portaria e que sejam de sua responsabilidade. Isso nos leva a concluir que a empresa beneficiária não será penalizada pelo desenquadramento ao qual ela não tenha dado causa.
Já o descumprimento pelo FIP poderá impedir o fundo, seus gestores e administradores de aplicar em empresas de base tecnológica com recursos da Lei nº 8.387 e eles serão incluídos em uma lista pública divulgada pela SUFRAMA por 3 anos, sem prejuízo de outras penalidades previstas na regulação, inclusive pela CVM.
Quitação de débitos e investimento de saldo residual
Por fim, uma das grandes inovações da Portaria MDIC/SUFRAMA nº 1 é a previsão de quitação de débito e investimento de saldo residual das obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) mediante aplicação em FIP, conforme previsto no art. 2º, § 10, da Lei nº 8.387, que trata da aplicação dos saldos residuais caso os investimentos em atividades de PD&I não atinjam, em um determinado ano, os mínimos fixados na lei. Referida aplicação não poderá ser feita em FIP que tenha a empresa beneficiária como cotista majoritária ou como cotista que efetivamente detenha o controle do fundo.
Diante do exposto, pode-se dizer que a nova regulamentação é consideravelmente mais restrita, mas é mais clara e deve trazer um nível maior de segurança jurídica – uma demanda antiga do setor –, já que a Portaria atual jamais atingiu o potencial de recursos disponíveis.
Ricardo Vieira, sócio de Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW)