Não é verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estaria desautorizado a corrigir a faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda ainda em 2023, como afirmam posts que circulam nas redes. Suposta justificativa citada pelas publicações, o princípio da anualidade não prevê qualquer tipo de prazo de adaptação em caso de diminuição de tributos — caso da proposta do governo —, apenas para o aumento ou a criação de novos impostos.
O argumento enganoso foi compartilhado por parlamentares, como os deputados federais Gleisi Hoffman (PT-PR) e José Guimarães (PT-CE) e os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). As publicações também circulam no Facebook e no Twitter, redes em que acumulam milhares de compartilhamentos.
Publicações que circulam nas redes enganam ao afirmar que Lula não poderia reajustar a tabela do Imposto de Renda em 2023. Isso porque o princípio da anualidade, citado pelas mensagens como o suposto obstáculo para as alterações, prevê um prazo de adaptação apenas em caso de aumento ou instituição de novos impostos, e não de diminuição. O governo, portanto, poderia atualizar a tabela, que seria válida para o Imposto de Renda cobrado em 2023 e cuja declaração ocorre em 2024.
Previsto no artigo 150 da Constituição, o princípio da anualidade, ou da anterioridade, proíbe que os entes federativos (União, estados e municípios) cobrem tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. Como o ajuste nas faixas de isenção não configura aumento, a medida poderia ser implementada ainda neste ano, de acordo com a advogada e consultora tributária Maria Carolina Gontijo.
Nas gestões petistas anteriores, inclusive, foram feitas mudanças que passaram a valer no mesmo ano:
- Exemplo disso foi a última correção nas faixas do Imposto de Renda, ocorrida durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), em 2015. Instituída via medida provisória e sancionada em julho daquele ano, a correção passou a valer ainda no ano-calendário de 2015 — ou seja, para a declaração de Imposto de Renda de 2016;
- Em janeiro de 2006, Lula também corrigiu em 8% a tabela, por meio da MP 280. O texto isentava quem tivesse rendimentos de até R$ 1.257,12 e passou a valer em abril daquele ano.
Há duas maneiras de realizar a alteração na tabela do Imposto de Renda. A primeira, via medida provisória editada pelo presidente, tem vigência imediata, mas precisa ser referendada pelo Congresso em até seis meses para que vire lei e não perca a validade. Já a segunda, por projeto de lei, precisa passar pelo aval da Câmara e do Senado para começar a valer.
É relevante ressaltar que nenhuma medida poderia impactar na declaração que deverá ser feita pelos contribuintes em abril deste ano, já que ela usa como referência a tabela de 2022. Uma eventual correção feita pelo governo alteraria o imposto recolhido nos rendimentos de 2023, declarados em 2024, explicou ao Aos Fatos a advogada especialista em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, Katia Locoselli Gutierres.
Histórico. As peças estão corretas ao afirmar que a última correção da tabela do imposto de renda ocorreu em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff. O último ajuste integral, no entanto, foi realizado em 1996. Conforme mostra o relatório do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil), o imposto de renda equivale a uma proporção cada vez maior da renda do contribuinte a cada ano em que a tabela não é corrigida de acordo com a inflação.
A Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) estima que a tabela possui uma defasagem atual de 134,53%. Caso ela fosse corrigida integralmente pela inflação, a faixa de isenção passaria de R$ 1.903,98 para R$ 4.465,34. A aplicação dessas novas regras isentaria 18 milhões de pessoas.
É fato, no entanto, que a medida deve impactar as contas da União. De acordo com a Unafisco, a correção da faixa de isenção resultaria em uma queda de R$ 239,3 bilhões na arrecadação para o ano que vem. Carla Beni, economista e professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas), aponta que como a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) prevê que “cada aumento de gasto precisa estar previsto em fonte de financiamento correlata” a alteração poderia ser questionada no âmbito fiscal.
“O governo poderia, em tese, já diminuir o tributo, mas aí ele estaria mexendo no orçamento, desequilibrando ainda mais o orçamento. Então me parece que a intenção é não apenas aumentar as faixas de isenção, mas compensar isso de alguma forma onerando quem ganha mais”, explica Gutierres.
“Esta questão possui uma resposta em três óticas. Pela ótica tributária, a redução é possível. Pela ótica orçamentária, ela não é recomendável e pode abrir questionamentos de validade por motivo da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Por último, temos a ótica política, por esta questão ser objeto de promessa de campanha”, disse Beni em entrevista ao Aos Fatos.
Promessa. A proposta de corrigir a tabela do Imposto de Renda para isentar os que ganham até R$ 5.000 é uma promessa de campanha de Lula. Em programa eleitoral veiculado em 10 de outubro do ano passado, o petista afirmou que implementaria “Imposto de Renda zero para quem ganha até R$ 5.000 e desconto para classe média”. A medida já havia sido aventada meses antes, em agosto, durante entrevista a uma rádio de Minas Gerais.
Questionado sobre a possibilidade de alteração neste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, repercutiu a desinformação de que o princípio da anualidade impediria o governo de instituir uma medida já em 2023. Já a ministra do Planejamento, Simone Tebet, argumentou que não há espaço fiscal para alterações em 2023: “Se eu mexo na tabela de Imposto de Renda, eu estou deixando de arrecadar”, disse ao jornal O Globo.
Em entrevista à Globonews na última quarta (18), o presidente Lula reafirmou a proposta e condicionou as alterações à aprovação de uma reforma tributária.
Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com os parlamentares citados, mas não havia recebido resposta até a publicação deste texto.