Proposta quer diminuir impostos de jogos eletrônicos e regulamentar o setor no Brasil, mas pode barrar em outras legislações
O Brasil pode estar muito próximo de alterar o funcionamento da indústria gamer em território nacional. Isso porque, na última quarta-feira (19), a Câmara dos Deputados aprovou um substituto de um Projeto de Lei que visa a criação do marco legal para a indústria de jogos eletrônicos.
O PL 2796/21 tem autoria do deputado Kim Kataguiri (União-SP), mas a aprovação deu-se sobre o substitutivo apresentado pelo relator e deputado Darci de Matos (PSD-SC), que inclui algumas mudanças significativas — em especial referente aos jogos de fantasia.
De forma geral, o texto abrange uma série de mudanças como: a diminuição na tributação de jogos; a regulamentação sobre a fabricação, importação, comercialização e desenvolvimento de games; menor interferência do Estado sobre o segmento, uso de jogos para fins terapêuticos e educacionais; entre outras.
É certo que, no papel, o documento parece trazer benefícios para o consumidor final ou mesmo desenvolvedores do segmento. Acontece que algumas brechas podem resultar em algo oposto do esperado e, para melhor esclarecer essas questões, o TecMasters conversou com Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados e atuante no mercado de Games e Esports.
Confira abaixo as principais propostas e alguns pontos que merecem atenção.
Marco legal de jogos e definições
Para começo de conversa, é preciso entender a finalidade deste PL. Além de regulamentar e respaldar jogos, desenvolvedoras do setor e competições do meio, a proposta em questão, segundo Kataguiri, tem o objetivo de “garantir o desenvolvimento do setor de games, gerar empregos, reduzir crimes como o de descaminho [importação sem pagamento de tributos] e diminuir a carga tributária sobre o desenvolvimento de jogos eletrônicos com a extensão dos benefícios da Lei de Informática”.
Mas para serem contempladas nesse PL, as propriedades devem respeitar a algumas definições para serem consideradas jogos eletrônicos:
- o programa de computador que contenha elementos gráficos e audiovisuais, conforme definido na Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, com fins lúdicos, em que o usuário controle a ação e interaja com a interface;
- o dispositivo central e acessórios, para uso privado ou comercial, especialmente dedicados a executar jogos eletrônicos;
- o software para aplicativo de celular e/ou página de internet desenvolvido com o objetivo de entretenimento com jogos no estilo jogos de fantasia.
Os jogos de fantasia, por sua vez, abrangem disputas ocorridas em ambiente virtual, a partir do desempenho de atletas em eventos esportivos reais, nas quais:
- sejam formadas equipes virtuais cujo desempenho dependa eminentemente do conhecimento, da estratégia e das habilidades dos usuários;
- as regras sejam pré-estabelecidas, inclusive sobre existência de eventual premiação de qualquer espécie;
- o valor da premiação independa da quantidade de participantes ou do volume arrecadado com a cobrança das taxas de inscrição;
- os resultados não decorram de placar ou atividade isolada de um único atleta ou de uma única equipe em competição real.
Deste bolo, ficam de fora as máquinas de caça-níquel ou outros jogos de chance semelhantes.
Tributação mais barata, porém…
A definição sobre os requisitos para os jogos eletrônicos tocam em um ponto importante, que é melhor esclarecido nas questões tributárias. Atualmente, existem diversos impostos sobre jogos e consoles no país, como IPI, Imposto de Importação, ICMS, PIS e Cofins.
Como é de se imaginar, todos esses tributos contribuem e muito para o alto preço de games e videogames no Brasil. E isso, segundo o relator Matos, é referente à forma como os jogos eletrônicos são enquadrados por aqui.
“Atualmente, a legislação considera os jogos eletrônicos como jogos de azar, como caça-níquel, o que faz com que a tributação seja extremamente elevada”, afirmou o deputado.
Logo, ao enquadrar os jogos eletrônicos como softwares, a tributação desses títulos também passariam a ser tributados como itens de informática — seguindo a ideia proposta do texto de reduzir os impostos desses ativos. Boa notícia, certo? Bem, depende.
Vale lembrar que, em 18 de janeiro deste ano, foi publicada a decisão da 1º Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) de autuar a empresa SoftwareONE, parceira da Microsoft no Brasil, sobre softwares importados.
Empresas de serviços de informática ligadas ao desenvolvimento de softwares, ao seu licenciamento ou cessão de direito de uso ficam sujeitas ao regime cumulativo (3,65% de PIS e Cofins). Contudo, o inciso 25 do 10º artigo da Lei nº 10.833 não alcança “a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado” e, em alguns casos, o entendimento é de que esses programas podem ser enquadrados no regime não cumulativo (alíquota de 9,25%).
E o que isso tem a ver com jogos? Tudo, uma vez que quando você compra o jogo, o que lhe é cedido é a licença de uso. Isso posto, enquadrar jogos eletrônicos como softwares pode fazer com que as importações caiam nesse mesmo entendimento de tributação não cumulativa. Em outras palavras: eles podem ficar mais caros.
“A questão é que jogos eletrônicos não são compostos apenas por software, mas também por outros componentes, como a parte gráfica (audiovisual) e lúdica (roteiros, histórias, etc.), por exemplo. Se pensarmos dessa forma, a questão da tributação se complica ainda mais, pois cada componente desse possui um modelo diferente de tributação”, pontuou Marcelo Mattoso.
Ou seja, por mais que a ideia seja diminuir a tributação de games, há uma grande brecha para que o enquadramento dos jogos como softwares sofram outras tributações extras.
Intervenção mínima do Estado…
O PL também determina que, apesar do Estado realizar a classificação etária indicativa, não será preciso qualquer autorização estatal para o desenvolvimento e a exploração de jogos eletrônicos e jogos de fantasia.
A ideia é garantir o livre desempenho das atividades econômicas do setor sem “interferência estatal desnecessária”. Mas para Mattoso, será preciso observar como se dará essa regulamentação.
“O que precisa se estudado é a forma de regular esse mercado, trazendo pessoas que, de fato, atuam no setor e o entendem em todas as suas vertentes. Regulação eficaz é aquela que ajuda e fomenta o segmento, não aquela que o estrangula”, destacou o advogado.
No mesmo artigo, também é descrita a proposta para “livre a promoção de disputas que envolvam os usuários dos jogos eletrônicos e dos jogos de fantasia com a distribuição de premiações de qualquer espécie de acordo com as regras preestabelecidas”, dando a entender que qualquer um poderia montar uma competição de qualquer jogo.
Acontece que a ideia de livre desempenho de atividades econômicas do setor esbarra em um grande ponto: as propriedades intelectuais. Deve-se ter em mente que são as desenvolvedoras/publicadoras quem detêm os direitos de seus respectivos jogos e cabe a elas definir quando e como serão usados.
“A impressão é de que competições poderão ser realizadas sem autorização da desenvolvedora. Isso pode causar certa confusão, pois jogos eletrônicos são propriedades intelectuais pertencentes aos seus desenvolvedores, cabendo a eles decidir se seus jogos serão usados, ou não, em competições, ainda que para cunho amador ou recreativo” disse Mattoso.
… mas fomento estatal para o segmento
Embora a proposta aponte para uma interferência estatal mínima para a exploração do setor, ela sugere que o Estado apoie a formação de recursos humanos para a indústria de games, por meio de:
- incentivo à criação de cursos técnicos e superiores de programação voltada aos jogos eletrônicos;
- criação ou do apoio a oficinas de programação voltadas aos jogos eletrônicos;
- incentivo à pesquisa, desenvolvimento e aperfeiçoamento de jogos eletrônicos voltados para a educação.
Ainda nestes pontos, programadores e desenvolvedores poderão exercer a profissão sem exigências de qualificação especial ou licença do Estado. Os investimentos em desenvolvimento de jogos eletrônicos serão considerados investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, assim como os processos de desenvolvimentos serão considerados pesquisas tecnológicas ou inovaçãos tecnológicas.
Por fim, o texto também determina que jogos eletrônicos também possam ser usados para entretenimento ou qualquer outra atividade lícita, como para fins educacionais, terapêuticos, de simulação de veículos ou de manuseio de ferramentas, por exemplo.
Mas afinal: proposta boa ou ruim?
A proposta aprovada na Câmara tem um objetivo interessante de fomentar a indústria de jogos no Brasil, mas é difícil saber se, caso decretada, traga todos os benefícios apontados como uma redução de tributação efetiva ou menos burocracia para desenvolvedores.
“É difícil prever se é boa ou ruim. O intuito é bom, pois a ideia é atrair investimentos, seja da iniciativa privada ou do Estado. Mas na prática não temos como prever se vai melhorar ou não”, finalizou Mattoso, que também reforçou “algumas disposições conflitantes com outras legislações”.
Bom ou ruim, o texto agora seguirá para o Senado e, caso também seja aprovado, ficará à mercê da sanção presidencial. Se decretada, a lei entra em vigor na data de sua publicação, com exceção dos artigos sobre crédito financeiro decorrente do dispêndio mínimo efetivamente aplicado nessas atividades feitos por pessoas jurídicas (Art. 5º) e sobre o enquadramento do desenvolvimento de jogos como pesquisas tecnológicas (Art. 6º), que entram em vigor em 1º de janeiro de 2024.
Fonte: Tecmasters.