Avanço ou retrocesso, na interpretação do CNJ sobre a obrigatoriedade da escritura pública, nas formalizações de alienação fiduciária?

A expressa autorização para utilizar instrumento particular com efeitos de escritura pública está em harmonia com a intelecção dos dois sistemas legislativos, o geral e o especial.

O egrégio CNJ, na análise do procedimento de controle administrativo 0000145-56.2018.2.00.0000, por unanimidade, enfrentou e assentou o entendimento da correta interpretação do tema, em face do provimento administrativo 93/20, do eg. tribunal mineiro.

O citado provimento do TJ/MG prevê, expressamente, em consonância com os artigos 108, do Código Civil1 (regra geral) e 38, da lei 9.514/972, (regra especial) que os atos e contratos relativos à alienação fiduciária de bens imóveis e negócios conexos poderão ser celebrados por escritura pública ou instrumento particular, desde que, neste último caso, seja celebrado por entidade integrante do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, por cooperativas de crédito ou por administradora de consórcio de imóveis (art. 954, das normas de serviço do extrajudicial).

A expressa autorização para utilizar instrumento particular com efeitos de escritura pública está em harmonia com a intelecção dos dois sistemas legislativos, o geral (Código Civil) e o especial (lei da alienação fiduciária).

Por limitações de espaço e tempo, o recorte metodológico deste artigo é delimitar e noticiar o alcance dessa decisão, sem enfrentar necessariamente um longo e complexo movimento legislativo, doutrinário e hermenêutico sobre o tema3, dialogando superficialmente com artigo contrário à interpretação do colegiado.

Em virtude da decisão ora noticiada, foi confirmada a legitimidade das previsões contidas nos provimentos administrativos das corregedorias dos Estados de Minas Gerais, Paraíba, Pará e Bahia. Essas unidades federativas vedam a celebração de instrumento particular de venda e compra com alienação fiduciária por empresas particulares (loteadoras/incorporadoras) e particulares em geral.

De outro lado, eram esperadas reações negativas e consequentes análises sobre os reflexos econômicos da decisão, podendo ser mencionado, por exemplo, artigo veiculado pelo portal Migalhas4 (10/8/23) das doutoras Renata Mathias de Castro Neves e Kelly Durazzo, sob título: “CNJ ratifica provimento do TJ/MG que limita uso de instrumento particular para alienação fiduciária somente para entidades que operam do SFI”.

As autoras reagiram, tanto a ratio decidendi (não enfrentaremos neste artigo) quanto à reverberação prática do mercado (players imobiliários), indicando possibilidades de aumento do custo do financiamento a ser repassado ao comprador final, além de reforçarem a competência dos tabelionatos de notas, para lavrar escrituras de venda e compra com alienação fiduciária.

Ademais, acentuam a potencialidade substancial do aumento da operação ao consumidor, na medida que serão cobrados emolumentos inerentes à escritura pública.

Por fim, em síntese, as autoras efetuam prognóstico de possíveis inviabilidades de empreendimentos, diante da majoração do “custo da operação imobiliária”, finalizando pela possível dificuldade de obtenção de crédito em detrimento dessa exigência.

Colacionar o pensamento a favor e contra a decisão, corrobora para estabelecer uma dialética sobre o tema, analisando, assim, de maneira mais científica e prática da matéria, sem divorciarmos da realidade prática dos mais de 5.570 municípios brasileiros.

Estes coautores buscaram informações da iniciativa privada, para que resultasse uma interface empresarial, e não simplesmente jurídica. É sabido que a importância de uma análise econômica do direito para toda e qualquer instrumentalização jurígena.

Assim, para que possa ter aplicabilidade eficiente na correta interpretação legislativa exarada nessa recente decisão do CNJ, far-se-á necessário enfrentar os apontamentos dos empreendedores, avaliando-as.

Sem rebater, detalhadamente, os itens expostos pelas dignas autoras, o ponto de maior reclamação em levantamento por nós realizado, foi a suposta demora na formalização dos instrumentos pelos tabelionatos, resultando em uma possibilidade do empreendedor “ficar na mão”, ou seja, com esse suposto atendimento deficiente pelos notários, poderia em tese, ocasionar os aspectos nefastos mencionados pelas autoras.

Vale salientar que, não são todos os notários, mas uma pequena parcela, que poderia, em tese, prejudicar mesmo a circulação de riqueza. Mas, ainda assim, merece nossa atenção esse levantamento prático e divorciado, apenas, de interesses institucionais.

Nesse particular, o mercado, cada dia mais competitivo, exige uma agilidade no atendimento e na formalização dos instrumentos negociais, sejam particulares ou públicos. Aliás, a questão da competência indicada pelas autoras visa demonstrar o risco de o empreendedor não ter suas demandas atingidas no tempo que o mercado e a concorrência exigem, e não no tempo do tabelião ou do tabelionato, que pode estar dissociado das necessidades empresariais.

É intuitivo que a maior preocupação do suposto retrocesso, ou potencial inviabilidade dos negócios, está no tempo da prestação do serviço notarial, até porque as críticas dos entraves registrais na qualificação, seguramente, será diminuído, tendo em vista a fé pública inerente às escrituras, em detrimento dos instrumentos particulares, facilitando e garantindo maior agilidade da qualificação registral.

Como solução clara para esse possível entrave, a plataforma do e-notariado e a correta interpretação da competência5 notarial e imobiliária, viabiliza uma opção estadual de tabelionatos, afastando a suposta ausência de atendimento no tempo adequado:

“Art. 19. Ao tabelião de notas da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente compete, de forma remota e com

exclusividade, lavrar as escrituras eletronicamente, por meio do eNotariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes.

§ 1º Quando houver um ou mais imóveis de diferentes circunscrições no mesmo ato notarial, será competente para a prática de atos remotos o tabelião de quaisquer delas.

§ 2º Estando o imóvel localizado no mesmo estado da federação do domicílio do adquirente, este poderá escolher qualquer tabelionato de notas da unidade federativa para a lavratura do ato.

§ 3º Para os fins deste provimento, entende-se por adquirente, nesta ordem, o comprador, a parte que está adquirindo direito real ou a parte em relação à qual é reconhecido crédito.”

Ou seja, caso o tabelionato de notas não atenda no tempo necessário, o empreendedor poderá utilizar dos atos eletrônicos, não dependendo somente de um tabelião de notas, muitas vezes único no município. Isso fomentará até uma melhoria institucional.

No tocante ao preço da escritura, é o mesmo no plano estadual, com uma diminuta diferença (ISS municipal), sendo vedado e considerado crime a concessão de descontos nos atos notariais.

Por fim, em novas manifestações sobre o tema voltaremos a tratar dessas conclusões preliminares, mas não podemos deixar de consignar que a decisão valoriza a advocacia extrajudicial, como meio para concretização do devido processo legal extrajudicial, assim, concluímos:

Com a recente decisão unânime (CNJ), torna-se obrigatório a escritura pública de alienação fiduciária entre particulares, possibilitando a excepcional forma particular apenas para as entidades financeiras do SFI e do SFH, tratando-se de medida imprescindível a implementação administrativa pelas demais Corregedorias Gerais da Justiça.
A conscientização dos órgãos de classe, na preparação e reciclagem dos notários para atendimentos mais céleres a iniciativa privada.
A diminuição dos casos de fraude em negócios jurídicos celebrados por meio de instrumento particular, que são constantes e integram a rotina do Poder Judiciário Brasileiro.
Maior intervenção na fiscalização do Estado no recolhimento de impostos e no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, pelos tabelionatos de notas.
Maior segurança jurídica e proteção aos consumidores.
____________________

BRASIL. Constituição Federal, DF, 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 20.08.2023.

BRASIL. LEI N. 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Código Civil. Acessado em 20.08.2023.

CNJ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – Procedimento de Controle Administrativo n° 0000145-56.2018.2.00.0000. Ministro Relator: Mário Goulart Maia Julgado em 2023. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=0bb27443bbdeda3090f2f1edadae6b7639b484d172d84d8e – julgado em 09/08/2023 –   acesso em 20.08.2023

Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/depeso/392315/interpretacao-do-cnj-sobre-a-obrigatoriedade-da-escritura-publica

 

Fonte: Migalhas