Jogos podem ficar mais caros no Brasil com mudança em impostos

Caso de 2012 analisado por órgão do governo pode mudar regras de tributação e impactar preço dos jogos no país

Uma recente decisão do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) pode causar um efeito cascata e aumentar ainda mais o preço dos jogos no Brasil. O caso tem como foco uma readequação na tributação de softwares importados que, além de programas, também deve incluir games neste “pacote”.

O veredito foi proferido pela 1º Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf em 27 de outubro do ano passado, mas sua publicação aconteceu somente no dia 18 do mês passado. Embora a decisão seja válida apenas para um processo específico — por ora —, abre-se um precedente para que outros casos se enquadrem neste mesmo entendimento.

Como se trata de um tema altamente técnico e ainda em desenvolvimento, o TecMasters mergulhou a fundo neste caso e conversou com especialistas para que você entenda como esse episódio pode fazer com que seus jogos fiquem mais caros no futuro.

Entenda o caso

Antes de falar sobre o processo em questão, é importante entender alguns pontos importantes. O primeiro deles é que o inciso 25 do 10º artigo da Lei nº 10.833, de 2003, estabelece que empresas de serviços de informática ligadas ao desenvolvimento de softwares, ao seu licenciamento ou cessão de direito de uso ficam sujeitas ao regime cumulativo.

Na prática, o regime cumulativo nada mais é do que uma tributação mais baixa de 3,65% de PIS e Cofins. O problema é que um dos parágrafos dessa lei menciona que o inciso não alcança “a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado”.

Embora seja complexo e um pouco confuso, o parágrafo abre margem de interpretação para que softwares importados e comercializados no Brasil sejam tributados no regime não cumulativo, quase três vezes maior — com alíquota de 9,25%. É aí que entra o caso referente à decisão do Carf.

A empresa SoftwareONE, parceira da Microsoft no Brasil e que licencia produtos corporativos da big tech, foi autuada pela Receita Federal ainda em 2012. Isso porque o órgão entendeu que a companhia estava vendendo “software importado” no país e, por conta disso, deveria ser tributada no regime não cumulativo.

A companhia até recorreu da decisão, levando o caso para o Carf. Mas o veredito (cinco votos a favor e três contra) negou o recurso e estabeleceu que a alíquota a ser tributada é mesmo de 9,25%. Isso significa que, a partir de agora, o Carf entende que softwares importados como Microsoft 365 ou Azure, por exemplo, devem ser tributados em uma alíquota mais alta.

E o que essa decisão tem a ver com jogos?

Tudo, uma vez que não são somente os programas de computador desenvolvidos lá fora que podem ser impactados. É preciso lembrar que, desde 2017, os jogos passaram a ser tributados como softwares aqui no Brasil. Logo, como a maioria dos títulos vêm “de fora”, é bem possível que a indústria de videogames também sejam impactadas com a decisão.

E isso significaria uma péssima notícia para o cenário regional. Dados levantados pela Pesquisa Game Brasil 2021 revelaram que os brasileiros são os que mais pagam caro por jogos no mundo. Não bastasse o dólar alto e a carga tributária complexa do país, a nova decisão do Carf pode encarecer ainda mais os games.

“Culpa” da economia digital

Alguns devem estar se perguntando: “Mas se a lei é de 2003, por que houve uma atenção somente agora?”. Sim, a legislação é de quase 20 anos atrás e a autuação ao contrato entre SoftwareONE e Microsoft também não é recente. Ainda assim, existem algumas explicações por trás disso tudo.

Ao TecMasters, Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados e atuante no mercado de Games e Esports, explicou que a discussão sobre produtos importados veio novamente à tona por conta do novo formato comercial que substituiu produtos físicos pelos digitais.

“O termo importação está previsto na lei, mas está muito mais vinculado à legislação aduaneira de produtos físicos. Isso porque a lei foi criada em uma época que a economia global era lastreada em produtos físicos. Com o avanço tecnológico, foram criados diversos problemas na parte tributária para enquadrar as novas relações jurídicas dentro da lei antiga”, esclareceu o advogado.

De forma resumida, a lei brasileira não se adaptou aos novos moldes de produtos digitais. Uma atualização da legislação até poderia resolver o problema, mas costuma demorar anos. Ou seja, a decisão administrativa do Carf vem para resolver isso de forma mais imediata e fazer com que o país recolha mais tributos.

Já a demora para a decisão pode ser atribuída à ineficiência da máquina pública, segundo Mattoso. O Carf fica responsável por milhões de processos e, com as constantes trocas de equipe, leva-se um tempo extra para entendimento de todas as pendências, o que resulta em atrasos na resolução de casos de anos atrás. “Pode ser que daqui um mês venha outro caso de uma autuação de 2013”, disse.

Impactos no mercado brasileiro

Embora a decisão seja válida especificamente para o caso envolvendo a SoftwareONE, ela abre precedência para que o órgão adote medidas semelhantes a outros casos. Com isso, cresce o temor das empresas do segmento, que podem entrar no radar da Receita Federal, mesmo que não estivessem sendo mapeadas.

“A partir do momento que essa decisão foi tomada, a própria Receita Federal se sente confortável em autuar mais ou fiscalizar de forma mais incisiva. Por enquanto, a decisão vale apenas para o caso específico de SoftwareONE e Microsoft — já que não é vinculante. Contudo, este novo entendimento do órgão pode ser replicado para outros casos que estão pendentes em julgamento também nesse mesmo sentido. E isso gera um receio para o mercado, pois há muitas empresas com processos sobre a matéria”, pontuou o advogado.

O problema é que isso pode minar o segmento tecnológico no Brasil. Sem contar os softwares que tornaram-se essenciais em tempos de home office, o mercado de jogos no país tupiniquim tem crescido fervorosamente nos últimos anos. E com o aumento da tributação, quem vai acabar “pagando a conta” serão os consumidores.

“Sempre que há uma mudança na carga tributária de qualquer setor é necessário uma atenção especial, já que você pode incentivar o setor a crescer ou acabar o destruindo”, disse Mattoso.

Por conta disso, o advogado enxerga dois possíveis cenários:

  • No primeiro, as empresas de software e de jogos podem migrar para outros mercados, uma vez que as alterações na tributação local podem tornar as operações inviáveis. Como consequência, o Brasil observaria uma desaceleração do segmento.
  • Outra possível hipótese — ainda sob o cenário de a Receita Federal passar a autuar outras empresas — é de que os gamers tenham que “abrir mão” dos lançamentos. Produtos como gasolina ou comida podem até subir de preço, mas não saem do orçamento dos brasileiros — casos bem diferentes dos jogos.

E agora?

Não, a decisão não passa a valer imediatamente. Mattoso ressalta que a decisão ocorreu na câmara inferior do Carf e as empresas envolvidas podem levar o caso para a câmara superior — ainda no âmbito administrativo. Se o recurso for novamente negado, elas devem entrar com um processo na Justiça.

Isso significa que o processo pode durar um bom tempo até, de fato, ser resolvido. De qualquer forma, empresas de softwares e de jogos importados certamente vão acompanhar o caso com atenção, torcendo para que o aumento tributário não se concretize na prática.

 

Fonte: TecMaster