Congresso derruba veto, e liquidação antecipada de garantia passa a ser proibida

Congresso analisou, nesta quinta-feira (14/12), 14 vetos ao PL do Carf. Desses, cinco foram derrubados

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, durante sessão do Congresso nesta quinta. Crédito: Marcos Oliveira / Agência Senado

O Congresso Nacional derrubou, por 360 votos a 72, cinco dos 14 vetos presidenciais ao PL do Carf (2384/2023). Com isso, a União está proibida de fazer a chamada liquidação antecipada das garantias e deve cancelar a inscrição em dívida ativa de todo o montante de multa que exceda 100% do valor do débito.

Por outro lado, foram mantidos vetos a dispositivos que previam a redução de multas e  a submissão de litígios à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF). A determinação de que a Receita deveria disponibilizar métodos preventivos para a autorregularização também foi deixada fora da Lei 14.689/23.

Liquidação antecipada
Um dos principais pontos analisados nesta quinta-feira (14/12) pelo Congresso diz respeito à liquidação antecipada das garantias. O dispositivo significa, na prática, a conversão em valores do seguro-garantia ofertado pelo contribuinte após as sentenças de primeira instância em que houver procedência, ainda que parcial, do montante discutido pelos contribuintes.

Com a derrubada do veto, a fiança bancária ou o seguro-garantia somente podem ser liquidados quando não houver mais recurso cabível, ou seja, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte.

A advogada Anete Mair Medeiros, sócia do escritório Gaia Silva Gaede, afirma que a liquidação antecipada forçaria o contribuinte ao pagamento antecipado. “Se você permitir a liquidação antes do trânsito em julgado, o contribuinte é obrigado a pagar o valor. É um dos maiores absurdos. Se ele ganhar, já pagou antecipadamente”, explica.

Segundo a advogada Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados, a liquidação antecipada da garantia “contraria o princípio constitucional do devido processo legal, pois submete o contribuinte à substituição da garantia por depósito, ensejando desembolso de caixa para fazer frente a um débito tributário, cuja existência ainda está sendo discutida perante o Poder Judiciário”.

Hoje, há decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitando a liquidação de garantia antes do trânsito em julgado. Um dos precedentes foi usado pelo Ministério da Fazenda para justificar o veto. Segundo a pasta, o dispositivo aprovado pelos parlamentares “fragilizaria o processo de cobrança, indo de encontro à jurisprudência nacional”.

O tema foi indicado para análise como repetitivo pelo STJ. Cinco processos sobre o tema (REsp 2.077.314/SC, AREsp 2.370.994/SP, AREsp 2.378.207/SP, AREsp 2.376.897/SP e AREsp 2.349.081/SP) foram selecionados pela ministra Assusete Magalhães como possíveis representativos da controvérsia. Por meio de um recurso repetitivo, o tribunal firma uma tese sobre um tema alvo de múltiplos recursos no Judiciário, e o entendimento deve necessariamente ser seguido pelas demais instâncias e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em casos idênticos.

Especialistas consultados pelo JOTA, no entanto, apontam que, com a queda do veto, a discussão no STJ estará prejudicada, pois, como se trata de lei processual, o dispositivo se aplicará inclusive para os processos em curso.

O tributarista Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, destacou que, na hipótese de validação da execução antecipada de garantias pelo STJ ou pelo Congresso, os contribuintes se veriam em grandes dificuldades para obter as fianças bancárias e os seguros-garantia, tendo em vista o provável incremento financeiro que as instituições financeiras imporiam para a contratação dessas garantias.

“Na minha opinião, uma decisão a favor dos interesses fiscais será, além de um retrocesso, um ‘tiro pela culatra’, pois veremos contribuintes impossibilitados de contratar garantias e que acabarão com dívidas tributárias se arrastando sem solução por muitos anos, haja vista que a apresentação de bem à penhora ou de garantia são condições necessárias para a interposição dos embargos à execução”, concluiu.

Multas
Também foram derrubados vetos relacionados às multas que superam 100% do valor do crédito tributário. Além de proibir penalidades acima desse percentual, a lei passará a prever que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deve, independentemente de pedido do contribuinte, cancelar a inscrição em dívida ativa de todo o montante de multa que exceda 100%.

Por outro lado, foram mantidos os vetos a dispositivos que previam a redução de multas. Um deles definia, por exemplo, a redução de até 1/3 do valor da multa de 75%, aplicada por falta de pagamento ou declaração e declaração inexata. De acordo com o texto aprovado anteriormente pelo Congresso, a penalidade poderia ser reduzida em um terço nos casos de “erro escusável do sujeito passivo” ou nas situações em que o contribuinte agiu “de acordo com as práticas reiteradas adotadas pela Administração ou pelo segmento de mercado em que estiver”.

Ainda, permaneceu o veto contra o artigo que definia que o executado capaz de obter seguro-garantia ou fiança bancária poderia oferecer garantia apenas do valor principal atualizado da dívida, sem incluir juros e multas.

Foi mantido ainda o veto do trecho que previa que litígios envolvendo debates entre a autoridade fiscal ou aduaneira e o órgão regulador seriam submetidos à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF).

Sobre esse ponto, o advogado Luciano Martins Ogawa, sócio do Ogawa, Lazzerotti & Baraldi Advogados, afirmou que o veto “representa um retrocesso e caminha contra a busca de uma administração que visa a justiça e resolução de conflitos”.

Por fim, foram mantidos os vetos a trechos que obrigavam a Receita a disponibilizar métodos preventivos para a autorregularização de obrigações principais ou acessórias relativas a tributos por ela administrados e que alteravam o regime das cooperativas.

Fonte: Jota