Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro recebeu uma notificação do Parque Bondinho Pão de Açúcar após publicar nas redes sociais uma imagem do cartão-postal; prefeitura do Rio contestou
O comunicado feito pelo Parque Bondinho acusa o ITS de buscar “vantagem comercial indevida”, com o “aproveitamento parasitário e enriquecimento sem causa”. No documento, os advogados afirmam que as empresas Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar e Pão de Açúcar Empreendimentos Turísticos são as “únicas e exclusivas detentoras dos direitos de exploração da imagem comercial e representações do Parque Bondinho Pão de Açúcar”. Essa afirmação é seguida de exigências, como a proibição do uso de imagens do local em publicações futuras, e a assinatura de um termo de compromisso que impede a ITS de usar, sem autorização prévia, “qualquer ativo de propriedade intelectual” do parque.
Segundo o advogado especialista em Propriedade Intelectual, Privacidade e Proteção de Dados do BTLAW, Luiz Fernando Plastino, não há direitos autorais sobre paisagens naturais, e sim direitos de autor sobre obras criadas por seres humanos.
— Existem proibições de fotografias dentro de parques ou propriedades com belezas naturais, mas isso normalmente decorre de regras impostas pelo próprio dono ou administrador do lugar, ou seja, não vem da lei e só vale para quem está lá dentro e aceitou essas regras — pontua ele.
A própria lei de direitos autorais reforça que obras de artes e construções feitas em locais públicos podem ser representadas em fotografias, desenhos e filmagens sem necessidade de autorização. Com tudo, destaca que há exceções para os casos das imagens serem para exploração econômica.
— O uso de grafites no Beco do Batman, em São Paulo, por exemplo, é alvo de discussões, já que o cenário é, constantemente, voltado para publicidade. Houve também polêmica sobre o uso da imagem do Cristo Redentor como base para joias. Cada caso precisa ser analisado individualmente. As obras arquitetônicas também têm o agravante de que a autorização da imagem deveria partir do próprio arquiteto que fez o projeto, e não do proprietário da construção. Os direitos autorais são para quem desenvolveu a obra e não para o dono dela — afirma.
Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Gustavo Kloh argumenta que as exigências do Parque Bondinho sobre o uso da imagem pela ITS-Rio é infundável, principalmente porque a estrutura turística está construído em local público.
— A lei de direitos autorais fala sobre obras de arte, mas a gente pode fazer uma analogia em relação ao Pão de Açúcar. As montanhas são bem público e estão localizadas em local público. É uma paisagem que faz parte do cotidiano, é acessível. A empresa, por meio da concessão, faz uma exploração turística de um bem que pertence a todos. As montanhas que são referência internacional, que são cartão-postal, não o Parque Bondinho — explica
O diretor do instituto, advogado, professor e pesquisador, Ronaldo Lemos, pontua que o bondinho é um meio de transporte e que, por isso, não está protegido por direitos autorais.
— Não faz sentido achar que um veículo de transporte integrado a uma paisagem urbana possa ter direito autoral. É o mesmo que você ter um barco passando entre duas montanhas. Esse barco não possui esse tipo de direitos — reforça ele.
De acordo com Lemos, a publicação que foi notificada tinha como objetivo divulgar um programa de pesquisa internacional sem nenhum custo para atrair talentos para o Brasil. Ele também afirma que o instituto funciona sem nenhum fim lucrativo e a utilização da imagem era “legítima”. Apesar disso, eles retiraram a publicação de suas redes sociais.
Como resposta ao Parque Bondinho, o instituto destacou que a utilização da imagem do Pão de Açúcar se deu por “uma marcação geográfica”, uma vez que o local é “um símbolo internacional da cidade do Rio de Janeiro”.
Também com cinco páginas, a contestação do ITS usa como referência uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio sobre o uso de imagem do Cristo Redentor pelo Grupo Assim Saúde. Nela, o TJ permite o uso da arquitetura sem a autorização da Mitra Arquiepiscopal, que administra o monumento, argumentando que o local “constitui um dos principais símbolos da cidade, fazendo parte do acervo cultural, histórico e paisagístico desta”.
Em seu perfil no X (antigo Twitter), o prefeito Eduardo Paes comentou o caso, classificando a notificação do Parque Bondinho como um “absurdo”, e completou: “Vou começar a cobrar royalties desses caras também”.
No fim da tarde ontem, a Prefeitura do Rio notificou a concessionária do Pão de Açúcar, dizendo que o caso deixou os representantes da cidade e a população carioca “estupefatos” pela apropriação de um dos “símbolos mais representativos da cidade e, certamente, do Brasil”.
O município também pontua que apesar de terem concessão para administrar o serviço teleférico, esse título não lhe dá “direto de uso exclusivo das imagens icônicas de bens públicos”. E que o centenário bondinho constitui equipamento naturalmente “indissociável da imagem do Pão de Açúcar e de suas adjacências” e que não há como deixar de representá-la em meio a paisagens como Morro da Urca, Enseada de Botafogo, Sumaré e etc.
Por meio do Procurador-Geral do Município, Daniel Bucar Cervasio, a prefeitura notificou a empresa para que se abstenha de impor restrições ao uso da imagem do Pão de Açúcar a qualquer pessoa ou entidade, “ainda que nelas esteja representado o bondinho”.
Em nota, a empresa disse que já vivenciou experiências negativas com riscos à sua reputação ao ter a imagem usada em atividades profissionais e comerciais e que, por essa razão, “criou um processo visando preservar a imagem da companhia, além do uso não autorizado das suas propriedades intelectuais, devidamente registradas junto aos órgãos competentes”.
Entretanto, ela negou que restringe a utilização da imagem do monumento dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, e “muito menos da paisagem do Rio de Janeiro”. Segundo a nota, a notificação encaminhada para o Instituto na semana passada visava esclarecer as regras de uso de imagem do parque, mas que reconhece que o documento “não exprimiu corretamente a intenção da empresa”. A empresa afirmou que “lamenta enormemente o mal-entendido causado, já tendo entrado em contato com o Instituto para esclarecê-lo”. Por fim, disse que a empresa está “revisando o processo para assegurar que incidentes como esse não voltem a ocorrer”.
Fonte: O Globo e BandNews RJ