Foi publicada, na última segunda-feira (28/08), a Medida Provisória (MP) nº 1.184/2024, que introduz relevantes alterações nas regras de tributação de fundos de investimento, especialmente sobre fundos fechados com perfil de renda fixa.
Salvo exceções previstas na MP, analisadas abaixo, as novas regras se aplicam a fundos fechados, ainda que sua carteira seja ilíquida (p.ex., FIDC NP e FIM que detenham investimentos em FIPs e FIAs).
Come-cotas: A principal alteração consiste na instituição da tributação periódica pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), também conhecido como “come-cotas”, tal como hoje já aplicável aos fundos de investimento abertos: no último dia útil dos meses de maio e novembro ou na data da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas, caso ocorra antes.
Alíquota: As alíquotas aplicáveis serão de 20% para os fundos de curto prazo e de 15% para os fundos de longo prazo, cabendo a complementação do IRRF para totalizar a alíquota regressiva aplicável na distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas (de 22,5% a 15%).
Estoque: Embora as novas regras somente entrem em vigor em 2024, a MP prevê a incidência do IRRF sobre o estoque dos rendimentos que não estavam sujeitos ao come-cotas a uma alíquota fixa de 15%, a ser calculada pro-rata sobre o valor acumulado até 31 de dezembro de 2023.
A MP prevê que o estoque será tributado mediante a aplicação da alíquota de 15%, a ser recolhido no primeiro come-cotas, em 31.05.2024 (ou em 24 parcelas mensais acrescidas de juros SELIC), sendo que, se houver hipótese de realização dos rendimentos, o vencimento é antecipado.
Alternativamente e de forma opcional, a cotista pessoa física residente no Brasil poderá tributar o estoque à alíquota vantajosa de 10%, desde que sobre os rendimentos acumulados até junho de 2023, faça o recolhimento em até 4 parcelas mensais, começando em 21.12.2023. No que se refere aos rendimentos acumulados de julho de 2023 até dezembro de 2023, o pagamento deverá ser feito conjuntamente com o come-cotas, em 31.05.2024.
Em ambos os casos, a responsabilidade pelo recolhimento do IRRF caberá ao administrador do fundo, sendo responsabilidade do cotista transferir recursos ao administrador para fazer face ao pagamento, na ausência de liquidez para tanto.
Ainda que a MP discipline uma alíquota mais benéfica à tributação do estoque, cumpre destacar tratar-se de tema controverso, uma vez que poderia ser questionada eventual violação ao princípio da irretroatividade da lei tributária, o que poderá ensejar a judicialização da matéria.
Fundos não sujeitos à tributação periódica: Em linhas gerais, fundos com perfil de renda variável (FIPs, FIAs e ETFs) permanecem sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15% apenas na data de distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas (i.e., sem come-cotas), desde que se qualifiquem como “entidades de investimento” e atendam aos seguintes requisitos:
- FIPs: cumprirem os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
- FIAs: possuírem uma carteira composta por, no mínimo, 70% de ações, ou de ativos equiparados, efetivamente negociados no mercado à vista de bolsa de valores, no País ou no exterior.
- ETFs: cumprirem os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM e possuírem cotas efetivamente negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, com exceção dos ETFs de Renda Fixa.
São considerados “entidades de investimento” os fundos com estrutura de gestão profissional, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária. Trata-se de conceito já aplicável aos FIPs atualmente e que será regulamentado de forma mais detalhada.
Por sua vez, os Fundos de Investimento em Cotas (FICs) de FIA, de FIP e de ETF recebem o mesmo tratamento dos seus fundos subjacentes, desde que tenham 95% de seu patrimônio composto por cotas dos fundos investidos.
Fundos com perfil de renda variável sujeitos à tributação periódica: FIPs, FIAs e ETFs não enquadrados nos requisitos acima (entidades patrimoniais) ficarão sujeitos ao IRRF no regime de come-cotas, limitado à alíquota de 15%.
Nesse caso, ganhos e perdas de avaliação por valor justo (FIA) e de equivalência patrimonial (FIP) não serão tributados pelo come-cotas, desde que controlados por meio de subcontas. Tais ganhos somente serão incluídos na base de cálculo do IRRF no momento da realização dos ativos detidos pelo fundo ou se houver distribuição de rendimentos ao cotistas, sendo que eventuais perdas não poderão ser deduzidas do rendimento bruto submetido à incidência do IRRF.
Reorganizações envolvendo fundos: Fusões, incorporações, cisões e transformações de fundos passam a ser eventos tributáveis a partir de 2024, à alíquota aplicável ao cotista. A MP prevê regra de neutralidade tributária para eventos ocorridos até 31.12.2023, desde que o fundo não esteja sujeito ao come-cotas em 2023 e a alíquota do fundo resultante seja igual ou maior que a alíquota anterior ao evento.
Investidores residentes ou domiciliados no exterior: Permanecem sujeitos à incidência do IRRF, à alíquota de 15%. De acordo com a redação atual, o come-cotas não seria aplicável aos cotistas residentes no exterior, o que pode representar falta de isonomia entre investimentos de residentes no Brasil e no exterior.
Exceções às novas regras: As novas regras não se aplicam aos FII, FIAGRO, investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos de que trata o art. 1º da Lei nº 11.312/2006, investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e FIEE de que trata o art. 3º da Lei nº 11.312/2006, FIP-IE, FIP-PD&I, fundos de investimento de que trata a Lei nº 12.431/2011, fundos de investimento com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, nos termos do disposto no art. 97 da Lei nº 12.973/2014, e ETFs de Renda Fixa.
Regras específicas (FII e FIAGRO): A MP altera as regras para isenção na distribuição de rendimentos por FII e FIAGRO para cotistas pessoas físicas residentes no País, que passa a estar condicionada a existência de, pelo menos, 500 cotistas (e não mais 50), bem como previsão de que as cotas sejam efetivamente negociadas em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado (e não apenas admitidas à negociação).
Entrada em vigor e conversão em lei: Salvo poucas exceções relacionadas ao (i) regime alternativo para tributação do estoque pela pessoa física residente no País, (ii) não incidência do come-cotas para fundos que previrem expressamente em seu regulamento a sua extinção e liquidação improrrogável até 30 de novembro de 2024; e (iii) não incidência de IRRF na fusão, cisão, incorporação ou transformação ocorrida até 31 de dezembro de 2023 (desde que observados os requisitos acima), que entram em vigor imediatamente, a MP entra em vigor em 01.01.2024. Para produzir efeitos, ela precisa ser convertida em lei no prazo de até 120 dias.
Para mais informações, contate as equipes de Consultivo Tributário e de Mercado de Capitais do Barcellos Tucunduva Advogados (tributarioconsultivo@btlaw.com.br e mercadodecapitais@btlaw.com.br).