Empresas questionam medida e dizem que alteração pode afetar mercado de crédito corporativo
Sinalizada na segunda-feira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ideia de acabar com o Juro sobre o Capital Próprio (JCP) ainda não está decidida, apurou o Valor. A equipe econômica ainda avalia se proporá a extinção ou o aperfeiçoamento do mecanismo.
Empresas acompanham as discussões com preocupação. “O momento é ruim para discutir isso”, disse o presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário.
Num cenário de escassez de crédito, afetaria uma das principais fontes para as empresas, que são os recursos dos sócios. A Abrasca reúne 440 empresas que representam 88% do valor de mercado da B3.
A fonte do governo explicou que, a depender de uma conclusão sobre a viabilidade política e do impacto financeiro, a proposta poderá ser encaminhada ao Congresso Nacional em agosto.
Estima-se que o fim do JCP poderá render algo como R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões em receitas adicionais por ano. O aperfeiçoamento geraria receita menor.
O JCP foi criado como uma forma de equalizar as condições tributárias de um empréstimo, bancário ou via mercado de capitais, com as do uso dos recursos da própria empresa. Na avaliação do governo, porém, tem havido uso abusivo desse mecanismo para pagar menos IR.
Cesário defende que o mecanismo não seja extinto, e sim melhorado, no âmbito da reforma mais ampla do Imposto de Renda, a ser discutida em 2024.
A sugestão é adotar o Allowance for Corporate Equity (ACE), uma versão mais moderna do JCP, em uso na Europa, que daria acesso a mais empresas e, ao mesmo tempo, estabeleceria limites para seu uso.
Ele afirmou que o mercado de crédito está “de muito ruim a péssimo”. E citou alguns dados.
O número de recuperações judiciais aumentou 52,1% no primeiro semestre deste ano em comparação com igual período de 2022, disse.
Os pedidos de falência avançaram 36,2% no período. Entre maio de 2022 e maio de 2023, a taxa de inadimplência de pessoa jurídica na carteira dos bancos passou de 1,5% para 2,5%. Dados do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), mostram que a captação líquida de recursos de empresas não financeiras com os bancos nos primeiros cinco meses do ano recuou R$ 55,0 bilhões e o financiamento via mercado de dívida atingiu R$ 35 bilhões, muito inferior à média histórica, acrescentou.
Nesse quadro, as empresas têm recorrido à venda de ativos para se financiar no curto prazo (R$ 28,9 bilhões de janeiro a abril deste ano) ou tomam dinheiro de seus sócios. O fim do JCP atingiria a segunda opção.
“A mudança do JCP nesse momento de estresse elevado no mercado financeiro seria extremamente preocupante”, afirmou. “Atingiria uma das principais fontes de recursos a que as empresas têm acesso.”
Ele acrescentou que o aumento do custo tributário poderá afastar algumas empresas do Brasil. “Vamos exportar os melhores empregos que existem aqui”, afirmou.
“Infelizmente, o JCP tem sido vendido como um benefício fiscal, mas não é”, disse o advogado Ricardo Lacaz, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri. Ele afirmou que o mecanismo permite que empresas em situações diferentes sejam tratadas de forma igual.
“Se a extinção dos JCP for implementada, certamente as empresas enfrentaria impactos como custo de capital mais elevado, menor atração para investidores, além de impactar a estrutura de capital, por exemplo”, comentou Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados.
A medida poderá levar empresas a repassar o custo adicional a seus clientes, alertou Mariana Ferreira, advogada tributarista do Murayama Affonso Ferreira e Mota Advogados. Elevaria a carga tributária principalmente dos bancos, acrescentou.
Fonte: Valor Econômico