Governo vai cobrar imposto de aplicações que hoje só são taxadas quando repatriadas. Medida, que mira R$ 1 trilhão em ativos, visa a compensar perda de arrecadação com IR
A medida provisória (MP) que o governo federal editou na noite de domingo mira mais de R$ 1 trilhão (US$ 200 bilhões) em ativos de pessoas físicas no exterior, muitos deles em paraísos fiscais. Com isso, o governo quer compensar a perda de arrecadação que terá com a nova faixa de isenção do IR, que entrou em vigor ontem.
Para especialistas, a MP prevê acertar o “limbo tributário” que existe nos investimentos no exterior. Hoje, a tributação incide sobre os valores apenas quando eles são repatriados. A partir do ano que vem, o IR vai incidir sobre o rendimento da aplicação todos os anos. No entanto, alertam, a mudança pode levar à judicialização.
— O governo está tentando fazer é que esses valores detidos por brasileiros no exterior, via empresas offshore, venham a ser tributados independentemente da disponibilização desses valores para pessoas físicas, e aí pode ter uma ilegalidade. O montante está na pessoa jurídica. Se não há disponibilidade de renda, não há de se falar na incidência do Imposto de Renda. Vamos ter uma corrida ao Poder Judiciário — alertou Rafael Korff Wagner, sócio da Lippert Advogados e presidente do Instituto de Estudos Tributários e da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS.
A MP aumenta a faixa de isenção do IRPF para R$ 2.640. E determina duas faixas de cobranças sobre o rendimentos no exterior: 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6 mil e não ultrapassar R$ 50 mil; e de 22,5% para rendimentos acima de R$ 50 mil. Valores abaixo de R$ 6 mil não serão tributados.
As alíquotas valem a partir de 2024 para aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e os recursos em trusts. Estes são uma entidade contratual regida por lei estrangeira e que estabelece uma relação jurídica entre o instituidor (dono dos recursos), o trustee (pessoa ou instituição que administra os recursos) e os beneficiários (uma ou mais pessoas indicadas pelo instituidor para receber os bens ).
‘Isonomia’, diz secretário
— No regime atual, não existe uma tabela específica para investimentos no exterior, mas aquela progressiva do IR que vai de zero a 27,5%. A MP cria uma regra específica e reduz essa alíquota para 22,5%. Vai antecipar a tributação, mas com uma alíquota mais vantajosa — disse o sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, Eduardo Zangerolami.
Em nota, o Ministério da Fazenda argumentou que a medida é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E ressalta que a maioria dos países desenvolvidos, como Alemanha (desde 1972), Canadá (1975) e Japão (1978), adota essa regra.
Em entrevista à Globonews, o secretário-executivo do ministério, Gabriel Galípolo, disse que a MP cria “isonomia” entre tributação de investimentos no Brasil e no exterior:
— Ela [a MP] cria uma isonomia, porque o investidor brasileiro que está aqui já paga esse tipo de imposto sobre o rendimento. O fato de você poder colocar dinheiro fora do Brasil numa estrutura que não paga imposto criava dois tipos de distorções: a primeira era quem pode mais paga menos. E a locativa: eu dava prêmio para quem tirava dinheiro do Brasil e colocava fora. Estamos estimando mais ou menos R$ 1 trilhão (montante que poderá ser tributado).
O governo calcula potencial de arrecadação de R$ 3,25 bilhões neste ano e R$ 3,59 bilhões em 2024. Por outro lado, a perda de receitas com a nova tabela do IR será de R$ 3,2 bilhões neste ano e R$ 5,88 bilhões em 2024.
A arrecadação com a nova tributação neste ano vai ocorrer, porque a MP autoriza a atualização do montante no exterior informados para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022. Neste caso, a alíquota de IR será de 10%. O imposto deverá ser pago até 30 de novembro de 2023.
Variação cambial
Os especialistas levantam dúvidas se a medida vai cobrir a perda de receita com IR.
— É uma medida de caráter pedagógico do que financeiro — avaliou Wagner, da Lippert Advogados.
Luiz Gustavo Bichara, sócio do Escritório Bichara Advogados, criticou a alteração ter sido feita por uma medida provisória, sem discussão no Congresso. E criticou a tributação de valores que ainda não entraram no país sujeitos a variações como o câmbio.
— Historicamente, isso era diferido do momento em que o contribuinte trazia o dinheiro porque você tem certeza do montante. Estamos taxando valores que podem não existir.
Fonte: O GLOBO.