Os casos de demissão por justa causa por publicação de vídeos e dancinhas no TikTok têm ficado cada vez mais frequentes. Por exemplo, em junho deste ano, uma estagiária foi desligada após fazer um vídeo uniformizada dançando um funk com letra de conotação sexual. Ela gravou o vídeo com uniforme e crachá da Prefeitura de São Francisco do Sul (SC), onde trabalhava.
Qual a base legal para essas demissões? É o artigo 482 da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), que detalha quais situações são passíveis de justa causa. As publicações no TikTok podem ser enquadradas como “ato lesivo da honra ou da boa fama” contra qualquer pessoa, empregador e superiores hierárquicos, segundo dois advogados trabalhistas ouvidos pelo UOL.
Qualquer dança é motivo para demissão? O advogado Thomas Steppe, do escritório Demóstenes Pinto Advogados, de Porto Alegre (RS), afirma que algumas situações são mais agravantes, e outras, atenuantes.
“Fazer o vídeo uniformizado é mais sério, porque na verdade o funcionário está no ambiente de trabalho e representando a empresa. Se está no posto de trabalho dele, como um porteiro de prédio ou dentro de um supermercado, é um agravante. Quando o funcionário está fora do horário do trabalho dele, e dentro de outra circunstância, pode ser um atenuante. Tudo é uma questão de interpretação”, declara Steppe.
Que conteúdos podem levar à justa causa? Alguns aspectos vão ser levados em conta pela empresa ao avaliar a demissão por justa causa por postagens no TikTok, diz o advogado Decio Daidone Júnior, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados.
“O que vai ser analisado é se teve qualquer conteúdo ilegal, que incite ao crime, que seja grosseiro, ofensivo, que tenha cunho calunioso, que seja abusivo, ou que possa invadir privacidade de alguém, algo obsceno, pornográfico, que seja preconceituoso, que exponha negativamente a marca da empresa, que traga algum prejuízo à identidade da empresa. Tudo que gere prejuízo à marca ou reputação pode ser considerado irregular”, diz Daidone Júnior.
Demissão é a única punição? A demissão não é a única alternativa para a empresa agir nesses casos. Dependendo da situação, pode-se aplicar advertência ou suspensão de um a 30 dias.
É uma gradação da pena, diz Daidone Júnior, e as empresas precisam agir com razoabilidade e de forma proporcional ao dano. Então, se for um vídeo que gerou um prejuízo grande ou foi muito lesivo, já pode ir direto para justa causa. Se for uma falta leve, a empresa pode dar advertência por escrito ou suspensão.
“Mas não há nada na lei que obrigue a empresa a seguir essa gradação. A demissão pode ser aplicada de imediato”, afirma ela.
O que dizem as decisões? O UOL analisou quatro decisões judiciais que tratam de demissões por justa causa por publicações no TikTok. Duas foram favoráveis à empresa e outras duas ao empregado desligado.
Simulação de sexo no trabalho: Em uma deles, funcionários simulam atos sexuais no local de trabalho e durante o expediente. A funcionária demitida entrou na Justiça para reverter a justa causa.
Os desembargadores observaram que a mulher não contestou a veracidade dos vídeos nem que tenham sido produzidos com o seu celular. Os magistrados analisaram a marca d’água presente nesse e em outros vídeos e comprovaram que os vídeos foram gravados com o celular dela e postados em sua rede social.
Segundo os desembargadores, a funcionária tinha ciência e incentivava tais atos no local de trabalho emprestando seu celular. “Dessa maneira, fica evidente a gravidade do ato praticado pela autora, agindo corretamente a ré na aplicação da justa causa”, salientam os desembargadores. Por conta disso, a justa causa não foi revertida.
Dancinha no necrotério: Em outro caso, funcionárias foram demitidas após serem gravadas sem máscara e dançando em frente ao necrotério do hospital em que trabalhavam em 14 de novembro de 2021, durante a pandemia de covid-19. Elas argumentaram que a situação ocorreu durante a comemoração de um aniversário.
Uma das funcionárias demitidas recorreu à Justiça. Porém, a decisão da justa causa foi mantida.
Durante o processo, uma das chefes da mulher disse que o desligamento ocorreu por “mau comportamento” e que a mulher era líder de equipe.
A superior da funcionária demitida disse à Justiça que a dancinha não foi uma “brincadeira inocente”, pois “a prestação de serviços se dava em um hospital, onde havia ocorrência de incontáveis óbitos, demonstrando, portanto, total desrespeito com os pacientes e seus familiares e, consequentemente, com o seu cliente, o hospital”.
Além disso, a chefe da mulher disse que confraternizações são autorizadas para ocorrer no refeitório do hospital e não nos corredores.
Na análise do caso, a juíza do trabalho Marcia Sayori Ishirugi considerou que a dancinha em local próximo ao necrotério “não é uma conduta adequada para trabalhadores de um hospital, ainda mais durante uma pandemia que está gerando inúmeros óbitos”.
Além disso, o vídeo teve repercussão nas redes sociais. Por fim, a magistrada entendeu que houve quebra de confiança.
Dancinha sem desrespeito: Mas nem todas as decisões são favoráveis às empresas. Em um processo, um funcionário —que postou vídeos uniformizado em seu posto de trabalho— conseguiu reverter o motivo da demissão, deixando de ser por justa causa.
Os desembargadores observaram que o ato de fazer uma “breve ‘dancinha’ uniformizado não é capaz de macular a imagem” da empresa, pois “não contém qualquer conotação de desrespeito com a função exercida ou com o nome da empresa”.
Sem menção ao nome da empresa: Em outro caso, uma funcionária foi demitida após postar no TikTok um vídeo de dez segundos no qual faz uma dancinha “em traje comum e em ambiente com fundo branco”, segundo trecho do processo.
Ao longo da gravação, vão aparecendo efeitos visuais e as seguintes frases: “Alerta de gatilho”; “Trabalho há 10 anos na mesma empresa”; “Me chamam de incompetente”; e “Mas não demitem a incompetente NEM A PAU”.
O juiz Ronaldo Luis de Oliveira entendeu que não havia elementos suficientes que associassem a funcionária ou a publicação do vídeo à empresa.
“Ainda que o comportamento reproduzido no vídeo, praticado pela autora, possua questionável sensatez (fruto, aliás, do uso indiscriminado de redes sociais na internet, gerando situações que beiram a bizarrice e a falta de razoabilidade, como aquela apresentada neste feito), é certo que referida mídia não indica, em seu conteúdo, qualquer menção expressa ao fato de que a reclamante, àquela época, fosse empregada da reclamada”, disse o juiz.
Além disso, Oliveira observou que não ficaram demonstradas as ações tomadas pela empresa para apurar as reais intenções da funcionária ao publicar o vídeo. O juiz considerou ainda que, além do vídeo, não há outras provas que permitem concluir que a empregada “tentou ofender a empresa ou algum de seus representantes legais”.
Nenhuma outra publicação nas redes sociais da funcionária indica a empresa onde ela era empregada.
Por fim, o magistrado entendeu que a empresa “presumiu” que o vídeo se referia a ela “não se empenhando em apurar devidamente a situação apresentada”. E, por conta disso, não deveria ser aplicada a penalidade máxima da CLT, que é a demissão por justa causa. Assim, o juiz anulou esse desligamento da funcionária.
Fonte: Portal UOL.