Especialistas explicam a chegada avassaladora das casas de apostas no Brasil, as questões legais e os riscos envolvidos nessa prática polêmica
O mercado de apostas chegou com tudo aqui no Brasil. E nem é preciso muito esforço para comprovar isso: presente nas placas publicitárias de torneios de futebol, nos anúncios de redes sociais (né, YouTube?) ou nas lojas de aplicativos para dispositivos móveis, empresas de cassino online e pitacos esportivos dão as caras e provam a conquista de um patamar relevante em território nacional.
Justiça seja feita, apostar não é algo relativamente novo por aqui. O jogo do bicho, por exemplo, foi criado em meados de 1982. Também houve épocas — breves períodos das décadas de 10, 30 e 40 — em que cassinos podiam operar livremente em solo tupiniquim. A Loteria Federal, por sua vez, segue mais viva que nunca e completará exatos 60 anos em 2022.
Mas apesar dessa prática estar enraizada na história do Brasil, talvez seja inevitável observar que o mercado de apostas — especificamente falando dos serviços online — no país nunca pareceu tão forte como o cenário visto nesses últimos anos.
E para entender melhor sobre o recente “boom”, questões legais, bastidores da indústria e riscos por trás da prática, o TecMasters mergulhou nesse polêmico segmento para conversar com especialistas do mercado na aposta de desmistificar esse setor em ascensão.
Mercado de apostas é uma das apostas do mercado
Antes de entender o porquê da alta recente, é preciso observar que o mercado gambling (“jogos de azar”, em tradução livre) já vem crescendo há algum tempo. Desde 2009, o segmento tem apresentado avanços ano após ano pelo mundo, o que revela um interesse massivo dos jogadores.
E os números não mentem: segundo um levantamento da Statista, o mercado global do segmento mais que dobrou em 10 anos e partiu de um valor de mercado de US$ 20,51 bilhões em 2009 para U$$ 55,10 bilhões em 2019. Em 2020, o segmento já beirava a casa dos US$ 59,79 bilhões.
O curioso é que essa ascensão não deve parar por aí. O segmento observou um “boom” principalmente a partir de 2020, ano em que o planeta foi afetado por uma crise sanitária sem precedentes. E desde então, enquanto diversas áreas caem, o setor de apostas só aumenta.
De 2020 para 2021, o crescimento em valor de mercado foi de 26%. Mas segundo a Polaris Market Research Analysis, a previsão é de que o gambling market continue crescendo nos próximos oito anos, com expectativa de alcançar uma receita de US$ 205,60 bilhões em 2030.
É claro que os dados englobam todo o cenário global, mas no Brasil, a situação não tem sido diferente.
Interesse brasileiro também em alta
Se lá fora o cenário é de alta, por aqui não é diferente. Mas no Brasil, o segmento de apostas mais popular abrange o setor esportivo — que é ligeiramente diferente de cassinos online ou jogos populares de azar por exigir um estudo do esporte escolhido além do fator sorte.
Falando de números, a Keyword Planner, ferramenta de buscas do Google, constatou que cerca de 35.700 buscas referentes ao tema são feitas mensalmente pelo público brasileiro. Isso faz com que o interesse tupiniquim pelo mercado de apostas esportivas seja o maior da América do Sul, bem à frente de outros povos como o de Colômbia, Peru e Argentina.
Uma outra pesquisa realizada pelas organizações Globo aponta que a busca pelos termos “bet”, “aposta” ou “bet+aposta” cresceu fervorosamente desde 2020. E como era de se esperar, o dado também se alinhou à alta de investimento publicitário das apostas esportivas, que também cresceu no mesmo período. É aquela história: só é lembrado quem é visto.
Mas, calma: isso é legal aqui no Brasil?
“Mas essas práticas não são proibidas no Brasil?”, podem estar se perguntando alguns. Afinal, muito se fala sobre o crescimento do mercado, mas pouco se comenta sobre as questões legais por aqui. Neste sentido, a prática ainda gera diversas dúvidas.
Muitos se baseiam no Decreto de Leiº 9.215 de proibiu os jogos de azar no país em 1946. Acontece que o decreto não levou em conta a chegada de serviços online — até porque não existia internet naquela época — e, com as mudanças contemporâneas, alguns pontos foram revistos recentemente.
Em dezembro de 2018, o então presidente Michel Temer aprovou a Lei 13.756/2018 que passou a permitir apostas de quota fixa — práticas em que as condições da vitória e o fator de multiplicação de sua aposta que resultará o prêmio são predefinidas. As apostas desportivas estão nesse balaio e, inclusive, são as únicas modalidades permitidas aqui no Brasil, como conta Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados e atuante no mercado de Games e Esports.
“O conceito de jogo de azar, definido no artigo 50, §3º da Lei de Contravenções Penais, pode acabar abrangendo inúmeras atividades que envolvem “sorte/aleatoriedade” e o binômio “ganho/perda”. A única modalidade atualmente permitida no Brasil são as apostas esportivas de quota fixa”, destacou o advogado.
A proposta para regulamentar as apostas online está parada no Senado e precisa ser votada até o dia 12 de dezembro deste ano. Enquanto isso não acontece, as empresas do setor usufruem disso para oferecer seus serviços no Brasil, já que são sediadas e operadas no exterior.
E com essa falta de regulamentação, as atuações dessas casas acontecem sem que haja cobrança de impostos ou taxas — e talvez isso explique, em partes, o surgimento de tantas empresas do segmento nos últimos anos.
Em suma, essas modalidades não são consideradas ilegais. Mas quem perde é o Brasil, que deixa de lucrar com impostos que poderiam ser revertidos em diversas áreas.
Fonte na íntegra: Tecmasters