Havan expõe rostos de suspeitos de furtos em lojas; prática é legal?

A empresa catarinense Havan implementou nos últimos meses a prática de divulgar vídeos de pessoas suspeitas de furto em unidades do país. Especialistas, no entanto, entendem que as gravações, com milhões de visualizações, são vexatórias e podem trazer implicações jurídicas.

O que aconteceu

“Quem roubar na Havan vai ficar famoso”, diz a rede. ”Então, se você não quiser aparecer aqui em nossas redes sociais é só não furtar. Não toleraremos crimes como esses”, afirma.

Alguns clientes suspeitos têm suas ações gravadas. A empresa expõe o rosto da pessoa em alta qualidade e a cidade em que ocorreu o suposto flagra

Uma das publicações já alcançou mais de 13 milhões de visualizações. No TikTok, alguns usuários dizem ter reconhecido parentes e amigos nas gravações, outros falam em “aguardar os próximos episódios”.

Há também os que questionam se a exposição é passível de processos na Justiça. ”Todo mês mostraremos os criminosos para que sirva de exemplo aos que planejam fazer o mesmo. Crimes como esses não passarão impune”, acrescenta a empresa.

Exposição como vingança

Especialistas fazem alerta sobre o uso das imagens. ”Uma empresa não tem legitimidade para mobilizar processos de criminalização divulgando pessoas que foram capturadas por câmeras de segurança. O correto é entregar essa gravação para a autoridade policial e não fazer uso privado desses registros”, explica Maurício Stegemann Dieter, professor de Criminologia e Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo).

A atividade pode resultar em ações indenizatórias na Justiça. Apesar disso, o advogado em Direito Criminal Bruno Koga também entende que seria preciso pesar o comportamento dos expostos e o da Havan: ”É uma colisão de direitos em uma situação na qual ninguém está 100% certo.”

A Constituição Federal e o Código Civil garantem o direito à imagem dos indivíduos, destaca especialista em Direito de Informática. Segundo Luiz Fernando Plastino, mesmo se tratando de alguém supostamente pego em flagrante, pode haver problemas na Justiça para a empresa em expor os rostos das pessoas.

Para os advogados, não há evidências de que prática da Havan coíbe infrações. ”A informação prévia de que a pessoa está sendo filmada pode ter algum efeito de intimidação, já a exposição posterior serve para humilhação, vexame e vingança privada”, comenta o professor da USP. Koga ainda faz relação com telejornais policialescos: “Se a medida tivesse eficácia, teriam dado conta da criminalidade há um bom tempo, ainda que de forma mínima”. “Historicamente, esse tipo de prática pode trazer mais problemas que resultados efetivos”, acrescenta Plastino.

Divulgação de imagens pode contribuir para linchamentos físicos e virtuais, diz professor. Maurício Stegemann Dieter argumenta que a atitude da empresa pode promover ações de milícias privadas, de grupos locais e uma ”mobilização social criminosa”

Outro lado

Havan cita aumento do número de furtos. “Depois da pandemia, a Havan percebeu um aumento significativo de casos de furtos nas lojas, mesmo contando com um sistema de monitoramento 24 horas por dia e uma tecnologia de última geração para identificação de suspeitos e criminosos”, diz nota enviada ao UOL.

Rede diz que outras providências não têm sido suficientes. “Sempre após a constatação do crime, a Havan toma todas as devidas providências, como acionamento da Polícia Militar para abordagem dos suspeitos e registro do boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia Civil. Entretanto, somente com essas ações não estava sendo o suficiente para a redução dos crimes.”

“Por isso, decidimos que vamos expor, mensalmente, em nossas redes sociais, os criminosos que forem flagrados furtando na Havan. A única forma de inibir é a vergonha. Temos notado que, mesmo essas pessoas sendo processadas na justiça, os casos continuam se multiplicando. Isso tem que acabar. As pessoas precisam saber que não ficarão impunes, que o que estão fazendo é crime e serão responsabilizadas por isso.”

Luciano Hang, dono da Havan.

Fonte: UOL