Por Marcelo Mattoso
Tema vem sendo constantemente debatido no legislativo brasileiro, e deve ganhar regulamentação em breve dando fim à discussão
Com a crise sanitária “estabilizada”, tivemos, de forma gradual, o retorno das atividades esportivas ao longo do planeta. Por conta disso, um determinado hobby passou a se destacar entre os apaixonados por esportes: os “fantasy games”.
Mas o que são esses jogos? Bom, em síntese, são plataformas em que a dinâmica de jogabilidade se baseia em gerenciar escalações das equipes competidoras de forma com que, ao final das rodadas, o participante (usuário) acumule pontos de acordo com o desempenho real dos atletas competidores e, ao final da competição (Liga, Campeonato etc.), esses pontos podem ser trocados por prêmios, inclusive por dinheiro real (moeda eletrônica ou espécie).
Então estamos falando sobre um jogo que depende de sorte e, por conta disso, se enquadraria como “jogo de azar”, certo? Não é bem assim. Explico.
O conceito de aposta está definido no art. 50, §3º, alínea “a” do Decreto 3688/1941 (Lei de Contravenções Penais) e diz que “considera-se jogo de azar (…) o jogo em que o ganho e perda dependem exclusivamente ou principalmente da sorte”.
Pelo que se extrai do texto acima, em observância à alínea “a”, para caracterização desse conceito são necessários 3 (três) elementos: (i) ser um jogo; (ii) envolver um ganho e uma perda; (iii) depender exclusivamente ou principalmente de sorte.
Por definição jurídica doutrinária tem-se que “jogo” é: “(…) o contrato em que as partes competem por um objetivo, observando as regras específicas da competição. O objetivo pode ser tanto o de chutar a bola para dentro das traves do adversário o maior número de vezes durante certo tempo, como ter todos os números da cartela sorteados antes dos outros. (…) Quer dizer, no plano da estrutura normativa da competição, os jogadores têm iguais chances de vitória ou derrota; o resultado será determinado, assim, pela competência, experiência, preparo e sorte de cada jogador. Nota-se que varia, de jogo para jogo, a preponderância de cada um desses fatores.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil – Vol. 3 – Ed. 2016. Revista dos Tribunais).
Fantasy games e jogos de azar: diferenças
Ao analisar a definição acima, vê-se que a legislação em análise parece seguir tal entendimento, pois parte da premissa de que em todo “jogo” haverá, necessariamente, um vencedor e um perdedor, estabelecendo essa dualidade de “ganho e perda”.
Já a “sorte”, aplicada à algum tipo de jogo, pode ser definida, de forma casual e informal, como elemento de que foge ao controle da manipulação ou vontade humana, muito mais ligado à probabilidade estatística e matemática do que à habilidade ou desempenho dos participantes daquele jogo.
Mas então o que afasta os “fantasy games” dos jogos de azar? Ora, o mesmo que afasta o futebol, a natação, o basquete e, inclusive, o poker. Nesses jogos o fator aleatório não é determinante para o resultado. É certo falar que há certa aleatoriedade nessas práticas, mas não é ela que define o resultado das partidas e competições.
Mesmo no poker? Sim, mesmo no poker. Estudos apontam que, no poker, a habilidade do jogador se sobrepõe à sorte. E o mesmo acontece com os “fantasy games”.
Pegando um exemplo das competições de futebol, é fácil constar que um usuário que desconhece o cenário e os jogadores terá resultados majoritariamente piores do que um usuário que conhece os jogadores, as competições e as equipes. Isso demonstra que o conhecimento e análise crítica (habilidade, ainda que mental) são muito mais relevantes do que a aleatoriedade (sorte).
É bom lembrar que o fator sorte está presente, sim, mas não é ele que define os resultados das partidas. Quem o define é a habilidade do usuário em analisar o cenário como um todo e traçar a escalação que parece mais adequada para cada partida. Assim, mesmo sob a ótica fria da leu, e considerando que exista o fator aleatório presente, não há como se enquadrar os “fantasy games” na categoria de “jogos de azar”.
Por fim, o tema vem sendo constantemente debatido no legislativo brasileiro e acredito que em breve teremos uma regulamentação para por fim a essa discussão. Façam suas escalações!
Marcelo Mattoso é graduado em Direito pela Unesa. É especialista em Direito Digital (Inovação e Tecnologia) pela Fundação Getúlio Vargas, entusiasta e especializado em consultoria e litígio no mercado de Games e Esports; advogado, sócio e coordenador da área de Games/Esports do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.
Fonte: Tecmasters