De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), somente em 2021 foram registrados 52.936 processos motivados por assédio moral nas empresas. A estatística superou de maneira significativa a estatística do ano anterior, que registrou 12.529 casos levados à Justiça.
Por mais que o assédio moral passe longe de ser um fenômeno social novo, no meio jurídico o assunto não é tão antigo quanto a prática. O mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, Decio Daidone Jr., destaca que o assédio moral “se caracteriza por humilhações, cobranças constantes ou exposição do empregado a situações vexatórias ou constrangedoras, bem como críticas infundadas ou perseguições”.
O especialista lembra que o assédio, além de afetar a reputação da empresa, pode comprometer sua produtividade. Já para quem é assediado, além do dano à honra e à dignidade, a situação pode trazer sérios problemas clínicos e psicológicos. Por isso, a direção deve intervir ao menor sinal do problema.
“Se alguma atitude demorar para ser tomada, e houver mais de uma vítima, poderá ser considerado negligência da empresa, pois ela tinha fatos, elementos ou indícios de um comportamento desregrado”, explica o advogado.
A importância do canal de denúncias e as consequências do assédio
Segundo Cassiano Machado, sócio-diretor da ICTS Protiviti, o aumento dos relatos não se resume necessariamente a um “boom” de novos casos, mas sim pela adoção do canal de denúncias no ambiente empresarial (adoção espontânea e estimulada pela Lei Anticorrupção de 2013), o avanço do empoderamento e protagonismo dos colaboradores dentro das empresas e também o reconhecimento social sobre a importância da necessidade em seguir com uma denúncia, o que era enxergado de modo pejorativo.
Para combater o problema, um entendimento amplo sobre o assédio moral e o desenvolvimento de ações preventivas e corretivas devem encabeçar a estratégia de ação das empresas. Nesse contexto, a ferramenta se mostra de fundamental importância, à medida que as empresas têm melhor oportunidade de ação quando o problema é identificado em seu início.
Com a possibilidade de agir de forma rápida, as organizações são capazes de evitar que consequências graves possam vir a ocorrer tanto para elas próprias quanto, principalmente, para a vítima. A prática pode conduzir os indivíduos atingidos a problemas como ansiedade, depressão, dores de cabeça, distúrbios no sono, a percepção negativa sobre o ambiente de trabalho, dentre outras situações.
Além disso, os indivíduos que sofrem com o ato tendem a ter sua produtividade afetada, maior frequência de erros e a empresa encara um cenário maior de absenteísmo e turnover.
Como combater?
O grande desafio da liderança perante o assédio moral está no enraizamento dessa prática na cultura da organização. Nem todos enxergam e compreendem a gravidade do problema. Mais do que mudar o comportamento das pessoas, é preciso moldar o contexto em que elas co-existem, promovendo real conscientização e, consequentemente, uma mudança permanente de atitude.
Para Deives Rezende Filho, sócio fundador e CEO da Conduru Consultoria, o que está acontecendo na atualidade é uma espécie de “refinamento de assédio”. “Os novos modelos de trabalho chegaram com novas oportunidades para o assédio moral. Enquanto o estresse e excesso de tarefas deixam o trabalhador doente, o abuso de poder termina de destruir com a autoestima da pessoa. Os empregados, na maioria das vezes, acabam se submetendo a situações de assédio por se sentirem reféns e por medo de serem demitidos. Não há mais tempo para esperar: as empresas precisam, urgentemente, combater o problema através do investimento em ações que identifiquem os assédios desde o início”, diz.
Uma pesquisa da Harvard Business Review revela que funcionários infelizes produzem até 18% menos quando comparado aos demais. Já um estudo do iOpener Institute mostra que, quando motivados, os colaboradores são capazes de: produzir duas vezes mais, tirar 10 vezes menos licenças e aumentar em cinco vezes o tempo de permanência na mesma companhia.
O especialista em ética, diversidade e inclusão entende que faz parte de todos os ambientes corporativos, em especial os que trabalham com metas, a circulação de cobranças. Entretanto, é preciso que as exigências sejam feitas sem excessos verbais, ameaças, constrangimentos e exposição dos funcionários em questão.
“Adoção de código de ética, treinamentos com o corpo diretivo da empresa e também com os colaboradores, manuais de conduta, implementação de canais de denúncia e capacitação do RH para detectar rapidamente os casos e solucionar os conflitos são apenas algumas ações que ajudam no combate ao assédio moral. Após a constatação do assédio, é necessário que a empresa realize o acompanhamento e capacitação de profissionais capazes de auxiliar na solução do problema”, salienta Deives.
Talvez o impacto de mais fácil tangibilização seja a judicialização dos casos quando se obtêm uma clara dimensão do prejuízo financeiro incorrido pelas empresas ao serem condescendentes com a prática. Segundo uma análise feita pela ICTS Outsourcing baseada em informações do site JusBrasil, site que conecta pessoas à Justiça, um processo por danos morais tem valor médio de indenização de R$ 17.423,00. Com a soma dos custos advocatícios de 20% o montante por processo atinge a casa de R$ 20.907,60.
“Uma empresa que consiga capturar e atuar sobre cinco denúncias qualificadas de assédio moral por ano economizará cerca de R$ 100 mil ao evitar a judicialização destes casos. É um montante que sairia diretamente do resultado da empresa e que, agora, poderá ser utilizado em prol da sustentabilidade da organização, impulsionando vendas, eficiência operacional, satisfação dos empregados e um ambiente de trabalho ético e transparente“, exemplifica Machado.
Vale destacar que existem no Brasil leis municipais e estaduais que coíbem a prática do assédio moral no âmbito da Administração Pública. Também se encontra sob aguardo do Parecer do Relator na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) o PL 6757, que busca criar uma legislação federal abrangente.
Nesse contexto legal difuso, cláusulas da Constituição Federal, Código Civil e CLT vêm sendo utilizadas pelo Judiciário para balizamento e direcionamento da qualificação e punição da prática de assédio moral nas empresas, sejam elas privadas ou estatais.