Nova lei das gestantes é tão desastrosa quanto sua antecessora

A Lei 14.311/2022, sancionada em 8 de março último pelo Governo Federal, chega aos quarenta e cinco do segundo tempo para substituir a Lei 14.151/21, e será de pouca serventia para as gestantes e seus empregadores. O texto entra em vigor quase um ano após ter sido proposto e está, praticamente, perdendo seu objeto diante do iminente fim do estado de emergência de saúde pública e sob um protocolo de prevenção contra a COVID-19 caindo em desuso, como a utilização da máscara facial ou a exigência de distanciamento social.

Importante mencionar que a lei anterior, embora com a importante finalidade de proteger a saúde das gestantes, acabou levando prejuízo para as mulheres que foram, veladamente, discriminadas e preteridas em processos seletivos para novas admissões, já que muitos empregadores se mostraram temerosos – num cenário de crise – quanto ao risco de empregar colaboradoras que depois poderiam ter de ser afastadas de suas funções – muitas delas impossíveis de serem executadas a distância.

A benesse da antiga lei, de preservar a saúde e a vida das gestantes, agora é suplantada pelo retorno obrigatório ao trabalho presencial, apenas contemplando exceções médicas ou ainda quando for possível o trabalho remoto, mas ignorando, principalmente, a prevalência constitucional do direito coletivo. O texto sancionado simplesmente permite, na base da canetada, o trabalho sem vacina, bastando que a gestante assine um termo de responsabilidade sob a chancela da preservação da autonomia da vontade privada, ignorando julgados dos tribunais trabalhistas, bem como a saúde dos colegas e dos demais trabalhadores que dividem os locais públicos.

A impressão que fica é que a preservação da vida da gestante e do feto valem menos agora do que valiam antes. Se antes elas não poderiam sair de casa, pois não existia a vacina e o risco de contágio era grande, agora, mesmo com a disponibilidade de vacina nos postos de saúde, sem a obrigatoriedade por lei de se vacinar, utilizando-se da autorresponsabilidade, as gestantes podem se deslocar para o trabalho, incorrendo no mesmo risco inicial para ela e para o bebê.

Na medida em que a peculiaridade do universo feminino de gerar uma vida esteja preservada com todo o acompanhamento pré-natal, assegurado eventual afastamento pelo INSS em caso de risco na gravidez – como sempre foi possível fazer – o tratamento da gestante, enquanto trabalhadora, deveria ser exatamente o mesmo de todos os trabalhadores.

Pela nova lei, a mulher grávida deverá permanecer em casa somente se não tiver completado o ciclo vacinal. Acontece que, atualmente, ou a gestante já está vacinada ou ela não quer se vacinar por qualquer razão particular, mas a condição de não ter completado o ciclo vacinal é cada vez mais rara, atingindo um número muito pequeno de gestantes.

Nesse contexto, óbvio que não era preciso uma lei para tratar do tema, bastando que a impossibilidade de completar o ciclo vacinal fosse atestada por um médico para viabilizar o afastamento da gestante pela previdência social, garantindo o direito ao respectivo benefício.

Resumindo, os parlamentares não precisavam ter tido tanto trabalho. Seria suficiente revogar a antiga lei, ter as gestantes trabalhando presencialmente como sempre fizeram e, se tivessem qualquer risco, de posse de um laudo médico, fossem afastadas, passando a receber o benefício previdenciário.

E para aquelas gestantes que não quisessem se vacinar por qualquer motivo de foro íntimo, sem justificativa plausível, que fosse aplicado o mesmo tratamento das demais pessoas, ou seja, estimulando a vacinação e aplicando penas disciplinares, inclusive a justa causa, quando cabível.

Com os protocolos contra a disseminação da doença sendo abolidos, teremos brevemente dentro das empresas apenas a preocupação de manutenção da vacina periódica dentro do planejamento de prevenção imposto pelos órgãos de saúde, seja para evitar o surgimento de novas variantes, seja para promover a saúde no ambiente de trabalho, conferindo maior resistência às consequências da gripe.

Nessa toada, num futuro próximo, a vacina fará parte da vida de todos e sequer será exigida sua comprovação, assim como já ocorre com as demais gripes e respectivas vacinas.

Pois bem, se o objetivo principal era revogar a lei antiga e promover o retorno ao trabalho presencial da gestante, essa nova lei é, no mínimo, desastrosa. Com toda sua pirotecnia, chega atrasada e gera mais dúvidas do que soluções, com forte tendência de ser mais uma lei ineficaz.

Entre trancos e barrancos, damos sequência à vida e ao trabalho.

*Decio Sebastião Daidone Jr. é mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica, professor universitário e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados
Fonte: Estadão