Neste último dia 27 de março, o Congresso instalou a Comissão Mista da Medida Provisória 869/2018, que alterou a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD.
A Comissão concentra deputados e senadores encarregados de analisar e discutir a conversão da Medida Provisória em lei, com ou sem as mais de 170 emendas propostas na Câmara e no Senado ao início do ano legislativo. Encerradas as discussões, o texto final seguirá para aprovação do Congresso.
O conteúdo principal da Medida Provisória foi a organização e definição de competências da Agência Nacional da Proteção de Dados – ANPD, temas que haviam sido vetados na LGPD. Diversas propostas de emenda à Medida Provisória visam trazer maior independência para a ANPD, diminuindo a influência da Presidência da República. Existem propostas para restringir o poder do Presidente da República, especialmente para nomear membros do conselho diretor da ANPD, como, por exemplo, condicionando a indicação de membros ou submetendo-os a sabatinas. Muitas das propostas visam tornar a ANPD uma autarquia da administração pública federal indireta, como era originalmente previsto na LGPD, que poderia ser vinculada a diferentes ministérios, como Justiça ou Economia, a depender da proposta.
Outras propostas, ainda, discutem as competências da ANPD. Tais propostas tratam desde a concessão de autoridade para a ANPD solucionar interpretações controvertidas e impor a elaboração de relatórios de impacto à proteção de dados, passando pela necessidade de serem informadas de determinados atos de tratamento por entes privados, até o poder de realizar auditorias desses entes para confirmar o cumprimento da LGPD. Quanto à imposição de penalidades referentes ao tratamento de dados, temos propostas em sentidos diferentes, tanto para restringir a atuação de outras autoridades públicas como também para autorizar expressamente a atuação do Ministério Público e dos organismos de defesa do consumidor nessa matéria.
A composição do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais, de função eminentemente consultiva junto à ANPD, também é alvo de controvérsias. Diversas propostas sugerem alterações na composição desse conselho, incluindo quóruns para representantes da indústria, sindicatos de trabalhadores, entidades dedicadas à privacidade e, até mesmo, para membros do congresso.
É importante ressaltar que congressistas insatisfeitos com outros pontos da nova redação da LGPD também aproveitaram a oportunidade para propor emendas sobre vários outros temas – inclusive alguns que não constam na Medida Provisória, como a previsão de tratamento diferenciado para dados de idosos e a conceituação de uma categoria de dados anonimizados, intermediária entre os dados pessoais e os dados anônimos. Um dos temas mais visados foi o tratamento de dados sensíveis, pontualmente abordado em parte considerável das propostas, as quais, em geral, pedem maior rigor. Outro deles foi a natureza do encarregado pela proteção de dados, que algumas emendas propõem que deva ser sempre uma pessoa física, como era previsto originalmente.
Vemos que a tônica geral de grande parte das propostas é a maior proteção do titular de dados, não apenas nos temas já apontados, mas também em outros pontos da LGPD, como alterações nas hipóteses de tratamento de dados por órgãos públicos ou entes privados prestadores de serviços públicos. Também podemos apontar um interesse especial dos congressistas na efetividade do direito de revisão de decisões por algoritmos. Por outro lado, pode-se verificar propostas de emendas no interesse da indústria, as quais eximem alguns tratamentos de comunicação, equiparam entidades de pesquisa com fins lucrativos àquelas sem tal finalidade, ou definem, desde logo, que empresas menores não devem ser submetidas a todo o rigor da lei.
Com tantas emendas para serem discutidas, é improvável que a LGPD continue sem novas alterações antes da entrada em vigor. Existem propostas opostas quanto a diversos pontos e, inclusive, propostas que sugerem o simples retorno ao texto originalmente aprovado da LGPD quanto a temas específicos. No entanto, salvo pela organização e competências da ANPD, não esperamos grandes mudanças na sistemática geral da Lei.
Na mesma data da instalação da Comissão Mista, a Medida Provisória 869/2018 teve sua vigência prorrogada por 60 dias, até junho deste ano. Ela tramita em regime de urgência e prevemos que deva ser votada nas duas casas do Congresso ao final do mês de maio. As atividades da Comissão Mista podem ser acompanhadas pelo website do Senado.