A justa definição do real valor econômico no cancelamento de hipotecas

A propósito do tema relacionado com a cobrança de emolumentos (valores cobrados para a prática dos atos em cartórios, serviços extrajudiciais), depara-se com uma recente e importante decisão proferida recentemente pelo Exmo. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, nos autos do processo de Recurso Administrativo nº 1001073-03.2020.8.26.0547.

O exame da questão versada em consulta formulada por Oficial do Registro de Imóveis, a partir da exigência de emolumentos na averbação do cancelamento de hipotecas, em parcelamento de solo, que recaíram sobre partes de lotes de terreno que integravam o empreendimento imobiliário, sob o entendimento equivocado da serventia extrajudicial sobre a cobrança de forma individualizada, revela o acerto da deliberação judicial, no julgamento do recurso administrativo interposto pelo Oficial registrador, com firme respaldo na legislação vigente, não obstante o esforço do recorrente na argumentação interpretativa diversa, que buscou o cancelamento das hipotecas em cada uma das matrículas dos lotes individualmente garantidos.

Insistiu o Oficial predial que o valor da cobrança dos emolumentos seria R$ 74.936,58 e não R$ 3.041,17.

A diretriz fixada pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de nosso Estado, na linha de orientação antes adotada, é plenamente justificável, à luz do ordenamento jurídico em vigor, evitando-se indesejável distorção, na interpretação das normas pertinentes que regem a matéria, tal como decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em 09 de junho de 2015, no Recurso Especial nº 1.522.874-DF, conforme bem demonstrou a ilustre Procuradoria da Justiça Cível (MPSP), em convincente parecer, nos autos do referido recurso.

A garantia real exigida do incorporador do loteamento, sob a égide da Lei 6.766/76, em favor do Município, para a realização de obras de infraestrutura, como consta expressamente no item 182, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Eg. Corregedoria Geral da Justiça, foi efetivada e cobrada como ato único, e assim deve ser em relação ao cancelamento, a teor do artigo 237-A, da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), que prevê a cobrança de emolumentos como ato único, “não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes”.

A reforçar esse entendimento, cumpre lembrar a Nota Explicativa à Tabela II da disciplina dos Emolumentos, na Lei Estadual nº 11.331/02, na qual está prevista a distinção entre os emolumentos devidos pelo registro do empreendimento imobiliário e aqueles devidos pelo registro das alienações dos lotes (frações ou unidades).

Essa orientação não é afetada pela ocorrência de abertura de matrículas para os lotes, como ficou bem assentado no julgamento do aludido Recurso Administrativo, no mesmo diapasão de precedente firmado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, em 15/02/2019.

As objeções que possam ser opostas não têm o condão de evitar a incidência inafastável do artigo 237-A, da Lei dos Registros Públicos, que rege a matéria posta em controvérsia, nada justificando a mudança da justa e jurídica orientação administrativa em tela.

Bem por isso, cuidou a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo de consolidar importante diretriz normativa sob o entendimento que o cancelamento deve ser cobrado como ato único, ainda que abranja não só a averbação na matrícula-mãe, como aquelas feitas em cada uma das matrículas dos lotes.

Nesse sentido, merece ser destacado o judicioso parecer da lavra da MM. Juíza Assessora da Corregedoria, Dra. Stefânia Costa Amorim Requena, que bem elucidou a questão e ofereceu importantes subsídios ao Corregedor, ao afirmar que a averbação do Termo de Verificação de Obras-TVO na matrícula em que registrado o loteamento não interfere nessa conclusão. Com efeito, a hipoteca foi contratada antes de sua expedição e visava garantir a execução das obras de infraestrutura do próprio loteamento, estando, assim, relacionada a obrigações assumidas pelo loteador e que dizem respeito ao empreendimento (inciso V do 18 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979).

E prossegue: “o Termo de Verificação de Obras-TVO indica o ponto a partir do qual, perante terceiros, deixa de incidir a regra excepcional do art. 237-A da Lei nº 6.015/1973. Porém, isso não significa que o Termo de Verificação de Obras-TVO necessariamente afaste a incidência do dispositivo especial para os atos praticados ou solicitados pelo empreendedor, mas que ainda se liguem, de modo amplo, à execução do loteamento – como é, justamente, a hipótese do cancelamento dos direitos reais em questão, depois de esgotada a sua finalidade, por ter sido verificado que não há mais obras por executar”.

Por conseguinte, nesse promissor cenário, forçoso reconhecer que acertadamente estabeleceu-se um legítimo freio para evitar a cobrança elevada e injusta de emolumentos, no curso do processo de loteamento, especificamente para a averbação do cancelamento de hipotecas, com determinação, para efeito de cálculo, como ato único.

Márcio Martins Bonilha Filho é Desembargador aposentado do TJSP. Atuou por 15 anos na Segunda Vara de Registros Públicos da Capital. Presidiu o 11º Concurso Público de outorga de Delegação das Serventias Extrajudiciais. Sócio do escritório Barcellos Tucunduva. Membro do Conselho Consultivo do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

Fonte: Anoreg BR